Músico baiano Gerônimo Santana é o entrevistado do programa Impressões
Enquanto
os brasileiros se vestem das mais variadas cores e balançam ao ritmo
de tantos carnavais que tomam as ruas do país, o chanceler da música
baiana, cantor e compositor Gerônimo Santana celebra mais de 40 anos
da festividade pagã. comemorando mais de 20 discos gravados e o
segundo ano do projeto Buzanfan, que caiu nas graças dos foliões da
Bahia. Em entrevista ao programa Impressões,
da TV
Brasil,
que foi
ao ar nesta última
segunda-feira
(17), às 21h, Gerônimo contou
como surgiu a ideia de aproximar ainda mais os artistas do público,
criando a sensação de um ônibus perdido no meio da multidão.
“É
uma espécie de trio elétrico que tem som na frente, e do lado é
aberto, vazado. Só tem o teto para proteger e todos os músicos saem
tocando. A vantagem é que a gente fica muito perto do povo”,
afirma.
Do
veículo adaptado que arrasta multidões desde o pré-carnaval de
2019, partem ritmos latinos e clássicos como É
D’Oxum e
Eu
sou negão,
que consagraram Gerônimo como um dos símbolos da cultura baiana
atual.
“O
carnaval da Bahia é um carnaval de participação”, define o
músico, maestro e compositor ao exaltar a mistura como parte
fundamental do carnaval. Aliás, é essa mistura que marca muito de
seus trabalhos, que incluem ritmos que vão do merengue à lambada e
ao fricote, além de outros estilos musicais.
Ao
Impressões,
Gerônimo diz: “Algumas pessoas acham que eu não sou axé, mas eu
sou axé sim. O axé – essa palavra – significa força”. O
baiano, nascido em 1953 na Ilha de Bom Jesus dos Passos, lembra que o
termo axé
music foi
criado por um radialista – Cristovam Rodrigues – quando se
referia aos sons surgidos na Bahia que não se caracterizavam como
rock.
“Eu
não sou pai de axé. Talvez seja Luiz Caldas. Talvez, o avê (do
axé)
sejam personagens como Wesley Rangel e Roberto Santana, que eram
produtores e acreditavam naquele movimento”, acrescenta.
Também
pioneiro do axé, Gerônimo foi contemporâneo de Luiz Caldas e
lembra, com orgulho, que o músico foi o primeiro a gravar uma
composição sua. “Sempre foi um gênio, dotado de prestígio
musical, dominava todos os instrumentos”, comenta.
Na conversa
com a jornalista Katiuscia Neri, Gerônimo se diverte ao lembrar da
origem de duas de suas composições mais conhecidas. “É D’Oxum”,
construída com o parceiro Vevé Calasans, que estourou em todo o
país em 1986, como trilha sonora da novela Tenda dos Milagres, da TV
Globo, depois de descoberta por Dori Caymmi.
“A
gente não tinha ideia de que essa música fosse para tantos lugares.
Vevé dizia que já tinha 50 gravações (da
música).
O primeiro que gravou foi o MPB4”, disse. O parceiro musical de
Gerônimo morreu em abril de 2012.
A
música foi feita quando o produtor Roberto Santana procurou Vevé
Calasans para contar que a cantora Alcione estava selecionando
trabalhos de compositores baianos para um projeto. “Ficamos a noite
toda e não saiu uma nota. Quando começou a amanhecer, fizemos É
D´Oxum.
A música levou 15 minutos para ser feita”.
Alcione
acabou cancelando a gravação, mas, ao lado de Vevé, Gerônimo
encontrou outra oportunidade de apresentar a nova composição para
Dori, que fazia a seleção da novela. Quando chegaram ao local,
viram dezenas de fitas cassetes de outros compositores que estavam na
disputa, mas não hesitaram.
“Vevé
comprou um envelope amarelo grande, prendeu a fita dentro e escreveu
É
D´Oxum.
Naquele bando de fitas, a nossa ficou em destaque. Aquilo chamou a
atenção de Dori. Foi quando ele pegou, ouviu, mostrou para o pai
(Dorival
Caymmi)
que disse: é mais bonita que a minha. Isso, segundo Dori Caymmi“.
Eu
sou negão
Caetano
considerou outro clássico de Gerônimo – Eu
sou negão –
como um “grito de autoafirmação do negro baiano”. A música
surgiu de um improviso. Gerônimo tinha sido convidado para animar
uma festa de confraternização de uma empresa, mas não estava
conseguindo conquistar a atenção do público. O baiano teve uma
inspiração e pediu para a banda que o acompanhava começar a tocar
acordes de samba reggae.
À medida que o som surgia, Gerônimo recitava a história de um trio
elétrico que invade um bloco afro.
O
radialista Baby Santiago, que estava no evento, pediu para gravarem
uma fita cassete. “A música levava 10 minutos. Depois, ele editou
para sete minutos e colocou na rádio para tocar. A emissora em que
ele trabalhava era quinto lugar de audiência e em duas horas passou
para o segundo lugar. Depois de uma hora, passou para o primeiro,
conta orgulhoso.
O sucesso levou a um grande número de ligações
de radialistas para a emissora, pedindo cópia da gravação. “Eu
não sabia que música era. Tinha feito de improviso. Tive que
escutar na Rádio Itaparica para construir a música”, conta aos
risos.
O baiano, que estudou composição e regência na
Universidade Federal da Bahia, mas nunca abriu mão da música
popular, domina do violão, ao trombone e à harpa. “A harpa era um
instrumento para ganhar dinheiro em casamentos e aniversários. Além
de ser um instrumento exótico, tem som angelical. As pessoas ficavam
embevecidas. Eu tocava qualquer nota”, conta.
Mas é do
trombone que ele fala com nostalgia. “Faz resgatar minha origem.
Minha primeira formação musical foi tocando e estudando em bandas
do interior, aquelas bandinhas filarmônicas”, lembra o compositor,
que já foi percussionista de Dodô & Osmar, de Luiz Caldas e
bailarino afro.