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Vanderlei Salvador Bagnato: “A excelência não existe. O que existe é dedicação”

Fotos: Paulo Melo/São Carlos FM

PAULO MELO
São Carlos FM

A manhã desta sexta-feira (14) foi marcada por uma entrevista histórica no Primeira Página no Ar, da São Carlos FM (107,9). Recebido pelos jornalistas Ivan Lucas e Paulo Melo, o físico, pesquisador e professor universitário Vanderlei Salvador Bagnato, um dos nomes mais respeitados da ciência nacional e membro da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, falou longamente sobre conhecimento, sociedade, tecnologia e humanidade, em uma conversa que uniu profundidade científica e reflexão filosófica.

Nascido em São Carlos e reconhecido internacionalmente, Bagnato revisitou suas origens, analisou o futuro da ciência e defendeu que o Brasil precisa recuperar a perspectiva social que permitia que “filho de operário virasse doutor”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Quem é o professor Vanderlei Salvador Bagnato?

Vanderlei Bagnato — Eu sou são-carlense, cidadão comum desta cidade. Nasci na Geminiano Costa, a famosa Baixada do Mercadão. Estudei no Eugênio Franco, Elydia Benetti e no Álvaro Guião. Depois cursei Engenharia e Física na USP e na UFSCar. Venho de uma família simples, de imigrantes italianos. Meu pai era operário e depois montou uma cromeação. Sempre digo: a excelência não existe; o que existe é dedicação. A capacidade das pessoas não vem do que elas podem fazer, mas do que elas fazem.

O ensino público teve papel fundamental nessa trajetória?

Bagnato — Total. Era uma época de grande perspectiva social. Filho de operário podia chegar na universidade. Isso vinha da qualidade do ensino público, que formava pessoas para sonhar e alcançar. Hoje perdemos parte disso. Precisamos resgatar esse caminho para que os jovens não precisem abrir mão de seus desejos profissionais.

O senhor integra a Pontifícia Academia de Ciências, fundada por Galileu Galilei. O que significa participar desse grupo?

Bagnato — A academia reúne alguns dos maiores cientistas do mundo, muitos deles Nobel. Discutimos ciência, mas principalmente como a ciência pode enfrentar desafios globais: clima, epidemias, desigualdade, ética tecnológica. Não é apenas pesquisa — é pensar soluções para a humanidade.

Num ambiente tão ligado à fé, como ciência e religião dialogam?

Bagnato — Dialogam muito bem. Menos de 5% dos membros são católicos. A Igreja respeita a ciência; a ciência respeita a fé. Elas são complementares. A ciência explica como o universo funciona; a religião busca o sentido disso tudo. Stephen Hawking, ateu, falava no Vaticano que “Deus não é necessário” — e todos respeitavam. A religião existe para tirar o ser humano da individualidade e colocá-lo no coletivo.

O senhor mencionou desafios globais, como resistência aos antibióticos. Isso preocupa?

Bagnato — Muito. Infecções comuns já não respondem a antibióticos. Até 2050, podemos perder cem milhões de pessoas por isso. A Covid foi um problema pequeno comparado ao que pode vir. Tecnologias existem, mas precisam ser acessíveis. Ciência sem acesso não transforma sociedade.

E a inteligência artificial? Aliada ou ameaça?

Bagnato — As duas coisas. A IA é extremamente poderosa. Identifica padrões melhor que qualquer humano — inclusive nossos desejos e preferências. Isso cria riscos enormes. Ela não será democrática. Será dominada por poucos países e corporações, ampliando desigualdades. Só nós, humanos, podemos moderar isso.

O Brasil sofre com fuga de cérebros?

Bagnato — Um pouco, mas isso ocorre em todo o mundo. O importante é criar condições para que talentos fiquem. Ensinar ciência não é formar cientistas; é formar cidadãos que não são enganados facilmente. Isso fortalece o país.

O universo poderia ser apenas uma partícula minúscula de algo muito maior. É plausível?

Bagnato — Tudo é possível. Só podemos explicar o universo que conseguimos observar. Temos conhecimento sólido sobre partículas e interações, mas isso não é tudo. A ciência está madura, mas agora entra numa era de grandes desafios — especialmente com tecnologias quânticas. O horizonte ainda é vasto.

O senhor já pensou em desistir?

Bagnato — Nunca. A vida é enfrentar problemas. Pessoas bem-sucedidas são as que aprendem com fracassos. O brasileiro é resiliente. Tem capacidade de resolver problemas que muitos líderes não resolvem. Nosso maior desafio é vencer a miséria — ela não interessa a ninguém.

Estamos mais próximos de entender o universo ou cada resposta gera novas perguntas?

Bagnato — Todo dia sabemos mais, mas as perguntas crescem mais rápido que as respostas. O mundo não é só complicado; é complexo. E a complexidade exige novas ferramentas e novos raciocínios.

Qual mensagem final o senhor deixa aos ouvintes?

Bagnato — Todos temos a mesma capacidade. Trabalhar pelo coletivo é essencial. E eu sempre digo: precisamos ter tempo para tudo — família, trabalho, amigos, estudos, até uma caipirinha. Só não temos tempo a perder. O tempo é o senhor da razão. Quando fecharmos os olhos pela última vez, o que importa é o que deixamos para os outros.

A entrevista encerrou-se com agradecimentos dos apresentadores e grande repercussão entre os ouvintes, que acompanharam uma das conversas mais profundas já exibidas pela São Carlos FM — uma verdadeira aula pública sobre ciência, ética e humanidade conduzida por Vanderlei Salvador Bagnato, um dos maiores cientistas do Brasil.

Ouça a entrevista na íntegra:

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