Sem data por causa de pandemia, Enem tem contrato travado por briga judicial
O Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem) deve ficar mesmo para 2021. Independentemente da pandemia, a
Justiça impediu que o contrato com a gráfica que vai imprimir a prova seja
assinado porque requisitos de segurança não teriam sido comprovados. Com isso,
o cronograma já está atrasado para uma eventual prova este ano.
A data do Enem ainda não foi anunciada pelo Ministério da
Educação (MEC). Em uma enquete com alunos – feita a pedido do ex-ministro
Abraham Weintraub -, a maior parte escolheu que a prova deveria ocorrer apenas
em maio de 2021.
Com a saída de Weintraub, o ministério resolveu ouvir também
secretários de educação, reitores e representantes de universidades privadas. A
ideia, segundo o governo, é encontrar uma data que possa ser factível em um
momento de pandemia, mas que não atrapalhe vestibulares e o Sisu, o sistema que
seleciona candidatos a partir da nota do Enem para instituições em todo o País.
Em geral, é esperado que o contrato para a impressão seja
assinado em maio para que a prova seja feita em novembro. Até anteontem, o
pregão não havia determinado sequer a empresa habilitada para o serviço, apesar
de indicar quem era a primeira colocada em 18 de maio.
O Estadão questionou o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável pelas avaliações, na
última quinta-feira (02) pela manhã sobre a licitação. Durante a tarde, a
Gráfica Plural, que era a primeira colocada, foi habilitada para a impressão da
prova. O processo estava sem definição havia quase dois meses.
A Plural é a empresa de onde o Enem foi roubado em 2009, o
que causou o adiamento da prova, caso revelado pelo Estadão. Depois disso, a
gráfica afirma que foi modernizada e adequou seus requisitos de segurança. Ela
participou de algumas licitações, mas nunca mais conseguiu imprimir a prova, um
serviço avaliado em R$ 90 milhões.
Independentemente da habilitação dada ontem, o juiz federal
da 14.ª Vara do Distrito Federal Waldemar Cláudio de Carvalho já havia decidido
em junho que o Inep não poderia assinar contrato com a primeira colocada do
pregão até que fossem prestadas informações. Ele atendeu a uma limitar
preventiva pedida pela segunda colocada, a Valid SA.
A Plural ganhou o pregão porque ofereceu um valor de R$ 63
milhões pelo serviço, enquanto a Valid SA pediu R$ 93 milhões. A Valid SA então
passou a questionar na Justiça o resultado porque, segundo ela, a Plural não
teria conseguido provar que tem três anos de experiência com impressões de
segurança máxima, exigência do edital do Enem.
Técnicos do Inep ouvidos pelo Estadão em condição de
anonimato afirmaram que não houve rigor na comprovação das exigências de
segurança. Entre as razões, há desde acusação de conluio com a Plural até
necessidade de fazer um Enem mais barato por causa da redução orçamentária.
A reportagem teve acesso a uma nota técnica interna do Inep
que alertava também que a Plural não teria comprovado os três anos de experiência.
A nota, no entanto, teria sido desconsiderada pela direção. O documento conclui
dizendo que se manifesta “pela inabilitação técnica da instituição”
porque os atestados de serviços anteriores da Plural não comprovariam terem
sido feitos sob condição de segurança e sigilo. A empresa nega e diz que
apresentou atestados válidos, de serviços realizados entre 2010 e 2020.
Procurado, o Inep informou apenas que a licitação está em
curso e, por isso, não se manifestaria sobre o assunto. A Controladoria-Geral
da União (GCU) também analisa o processo e informou que só se manifestaria no
fim do relatório.
Disputas
Durante dez anos apenas uma gráfica foi a escolhida para
imprimir o maior vestibular do País, a multinacional RR Donnelley, que decretou
falência no País ano passado. A Plural acusava a empresa de conluio com
funcionários do Inep para que vencesse os pregões desde 2009, além de reclamar
que os contratos foram prorrogados sem licitações anuais.
Em 2018, em resposta à Plural, o Tribunal de Contas da União
(TCU) recomendou que não houvesse “excesso de rigor” nas exigências
da licitação porque acreditava que isso restringia a competição, já que só a RR
Donnelley poderia cumpri-las.
Com a falência da Donnelley, quem assumiu o Enem de 2019 foi
a Valid SA, que até então era referência em impressões de segurança, como
cartões de crédito e chip de celular, mas havia participado do último pregão. A
empresa absorveu alguns funcionários da Donnelley e passou a ser acusada também
pela Plural de continuar o esquema de conluio.
O TCU concluiu este ano que não havia “quaisquer
indícios, mesmo que mínimos, de conluio, fraude ou condutas passíveis de
punição por parte dos gestores”. Por outro lado, alertou que havia excesso
de rigor nos editais que poderiam beneficiar algumas empresas e pediu que o
Inep fizesse licitações todo ano para escolher a gráfica em vez de prorrogar
contratos.