Colapso na Saúde com pandemia já é realidade em São Carlos
Análise do professor da UFSCar, Bernardino Alves Souto, aponta que epidemia continua em ritmo ascendente e acelerado, fora de controle
Em São Carlos, a epidemia continua em ritmo ascendente e acelerado, fora de controle, com previsão de que neste mês de março bateremos novo recorde de casos e de mortes. Esta é a opinião do professor do curso de medicina e coordenador técnico do Comitê Gestor da Pandemia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Bernardino Alves Souto.
A posição do professor Bernardino se consolida com os dados do Boletim Epidemiológico da Prefeitura de São Carlos que registrou, de segunda a sexta-feira, 1.046 novos casos positivos de contágio com o coronavírus.
Primeira Página – O risco de colapso no atendimento hospitalar é iminente?
Bernardino – Em termos práticos este colapso já é uma realidade. Esta semana foi a que tivemos o maior número de pessoas em internação com diagnóstico confirmado de Covid desde o início da pandemia, com persistência da taxa de ocupação dos leitos SUS de UTI em 100%. Pessoas com Covid e mesmo pessoas com outros problemas estão enfrentando dificuldade de acesso a cuidados no sistema de saúde devido a esta sobrecarga.
PP – O lockdown regional e simultâneo é a solução para a nossa região? Além do fechamento e das medidas de distanciamento social, qual outra atitude devemos tomar para conter o contágio?
BERNARDINO – Lockdown por tempo determinado, localizado e feito isolado de outras medidas, alivia temporariamente, mas, não resolve o problema. Apenas descongestiona um pouco os hospitais por alguns dias e não controla a pandemia. O correto é começar por um Lockdown regional e simultâneo, acompanhado de testagem em massa da população para isolamento efetivo de todos os infectados e seus contatos; impedimento à circulação de pessoas em movimentação não essencial; vacinação rápida e massiva da população; uso unânime de máscara, distanciamento social e medidas higiênicas pelas pessoas; suporte econômico e social às pessoas prejudicadas pelo lockdown e pelas demais medidas de controle; e vigilância epidemiológica intensiva e de alta tecnologia.
Feito isso, e alcançando queda sustentada e progressiva do número diário de novos casos e de novas mortes, começar a flexibilizar o lockdown lenta e progressivamente de modo racionalizado com base em indicadores epidemiológicos e Vigilância Epidemiológica ágil e intensiva, com capacidade para isolar precocemente pessoas infectadas e seus contatos.
Ao flexibilizar o lockdown, não afrouxar as outras medidas e escalonar o retorno segundo o risco oferecido pela atividade e o risco biológico das pessoas de adoecerem com a forma grave da doença, em vez de fazê-lo por critério quantitativo baseado somente em número de pessoas em retorno. Para tornar a vacinação mais eficiente, fazer levantamento epidemiológico da Covid no município de modo a identificar categorias de pessoas e locais onde a doença é mais incidente e mais grave e distribuir a vacina segundo este levantamento epidemiológico.
O modelo que não adota em nível regional e articulado este conjunto de medidas de forma integrada e simultânea, e se baseia prioritariamente na flexibilização do isolamento social de acordo com a disponibilidade de leitos de UTI, não controla a pandemia, leva ao colapso do sistema de saúde e oportuniza elevada mortalidade populacional.
PP – O ritmo de vacinação, aliado ao volume de contágio, poderá dar margem para nova linhagem do vírus que drible a vacina existente hoje?
Bernardino – Sim. O vírus consegue sofrer mutações rapidamente. A mutação acontece no momento em que o vírus se reproduz. Isso significa que quanto mais o vírus se espalha, mais a chance de sofrer mutações. Algumas mutações podem oferecer risco de perda de efetividade das vacinas. Portanto, para não perdermos eficácia da vacina, é importante controle rigoroso da transmissão do vírus; ou seja, controle da epidemia. Assim, se quisermos que a vacinação realmente ajude, temos que adotar todas as outras medidas para controlar a Covid-19 na população até que tenhamos a grande maioria das pessoas vacinadas com duas doses. Nesse sentido, a velocidade com que o vírus se espalha compete com a velocidade com que pessoas se tornam imunizadas pela vacina. O ritmo atual de vacinação está longe de alcançar esta concorrência e poderá prejudicar a eficiência da vacinação.
PP – Qual é o dado mais recente sobre a variante de Manaus? O que os estudos dizem desta cepa?
BERNARDINO – Até agora, o que sabemos sobre a variante de Manaus é que ela é mais transmissível; ou seja, se espalha com mais facilidade na população, podendo causar elevado número de casos em curto período de tempo a ponto de congestionar o sistema de saúde, aumentar a mortalidade populacional diária e afetar pessoas mais jovens. Também é considerado seu potencial de burlar o sistema imunológico de quem já teve Covid e causar reinfecção. Há relatos de que pode causar doença mais grave e que pode implicar em menor eficácia de algumas vacinas específicas, mas, isto ainda está em estudo.
PP – O Brasil ficou para trás na campanha de vacinação ou demorou para comprar vacinas. No ritmo atual levaríamos de 2 a 3 anos para vacinar todo mundo. Isto gerará um ambiente propício ao vírus. O que se pode esperar dessa situação?
BERNARDINO – O Brasil nunca agiu para combater efetivamente a pandemia e com a vacina não tem sido diferente. Se investíssemos em ciência e tecnologia o necessário e suficiente, poderíamos ter uma vacina própria, inventada aqui mesmo. Entretanto, o que temos visto é um combate sistemático à produção científica nacional e uma subtração significativa e progressiva do investimento na área. Além disto, o Brasil não fez nenhum movimento estratégico para aquisição e distribuição de vacinas, deixando para tratar do assunto muito tardiamente e demandado por pressões políticas internas. O resultado é que nos tornamos nocivos à humanidade porque a ausência de combate à pandemia e o modo como estamos trabalhando a vacinação tem criado oportunidade para que aqui seja o lugar onde o vírus mais poderá sofrer mutações prejudiciais ao controle da Covid-19 no mundo. Nós não controlamos a pandemia aqui e estamos a caminho de atrapalhar o controle adotado em outros países. Ao mesmo tempo, estamos escrevendo a nossa história como o país em que a Pandemia da Covid-19 teve os efeitos mais trágicos em todo o planeta. Entretanto, se o Brasil quiser, ainda é possível reagir em direção a uma trajetória alternativa.