Psicologia em Foco

“Vaqueirinho”: sofrimento, abandono e tragédia virando espetáculo

Reprodução/X

Gerson de Melo Machado, conhecido na internet como “Vaqueirinho”, faleceu no dia 30 de novembro de 2025. A tragédia ocorreu quando ele invadiu o recinto da leoa Leona, que apenas reagiu, no zoológico em João Pessoa/PB. O jovem, de 19 anos, tinha transtornos psicológicos severos e uma vida marcada por ter sofrido abandonos e descasos.

O adolescente apresentava uma fixação já documentada por animais como cavalos e grandes felinos. Isso porque, ao cuidar de cavalos de rua, dando comida e banho, começou a ser chamado de “Vaqueirinho” na região. E alguns relatos registram que Gerson sonhava em trabalhar com leões.

Durante sua história de vida, ele já havia sido exposto a situações insalubres e de abandono na infância, tendo sido levado a casas de acolhimento, se jogado do 2º andar de um prédio para fugir de medo de uma família adotiva, passado por CAPS (centros de Atenção Psicossocial) e sido abandonado novamente pela mãe esquizofrênica e pelo pai que escolheu não o adotar apesar da possibilidade. Depois, somaram-se passagens na polícia por pequenos delitos.

Nisto tudo, se destaca o fato de que desde esta infância, pessoas locais começaram a filmar Gerson sem consentimento. Após identificarem a vulnerabilidade em que ele se encontrava, ele era repetidamente orientado a cometer pequenos delitos em troca de comida ou roupas. E, após cometê-los, era agredido ou entregue à polícia por quem o orientou. Todo esse processo era filmado e colocado em redes sociais, gerando engajamento de quem assistia e lucro para quem filmou.

A dinâmica de perversidade, em troca de visualizações, se manteve ao longo da infância e adolescência de Gerson. E ficou escrachada no momento de sua morte.

No dia 30 de novembro de 2025, no zoológico, ele é filmado escalando uma parede de mais de 6 metros de altura e depois uma árvore para chegar até a leoa. Passando também por barreiras que separavam a leoa do público. Gerson é visto se aproximando do animal, não demonstrando entender a seriedade da situação e então ocorre a tragédia.

Durante todo esse incidente, se passa um bom espaço de tempo. Todo documentado por várias pessoas em vídeo. Porém, o que não é visto é a movimentação para impedir a situação ou para ajudá-lo. Ademais, vários sites de notícia contam com vídeos do ocorrido, incluindo o momento da morte de Gerson.

Ele deixou de ser Gerson, adolescente de 19 anos e virou só o “Vaqueirinho”. O personagem de entretenimento que gerava risadas, mas com quem a maioria das pessoas não se preocupava. O sofrimento estava evidente, a empatia não.

Ao transformar alguém em personagem, se distancia essa pessoa da própria realidade de quem o vê. O personagem não é mais gente, é apenas uma representação vazia, da qual se escolhem os afetos que se sente. Assim, mesmo na morte, o personagem pode ter um propósito de entretenimento. É uma distorção para não entrar em contato com a realidade da interação com o outro.

É imperativo que não se permita que as pessoas se tornem apenas personagens, que elas não deixem de ser dignas de direitos, acolhimento e respeito. Para que os “Vaqueirinhos” não virem personagem do dia a dia. É preciso olhar para além da tela do celular, para além das redes sociais e não se permitir ser insensibilizado por conteúdos perversos e prontos.

Para isso, se destaca a importância da psicologia como ciência e entendimento das relações humanas. E a potencialidade da terapia com psicólogo como meio de entrar em contato com as próprias vulnerabilidades, entender a importância e papel do outro, não se insensibilizar para com o mundo e ajudar pessoas em sofrimento.

 

Psicólogo Matheus Wada Santos (CRP 06/168009)

Psicanalista especializado em gênero e sexualidade

Redes: @psicologo_matheuswada

WhatsApp: (16) 99629 – 6663

 

Compartilhe:

Recomendamos para você

Psicologia em Foco
Para a autora Judith Butler (2020), há uma crença psicossocial de que algumas pessoas podem ser mortas
Há 8 dias
Psicologia em Foco
Para a Psicanálise, por exemplo, a “idealização” é um mecanismo de defesa do nosso psiquismo
Há 14 dias
Psicologia em Foco
Informações trazidas pela IA têm viés de preconceito e desinformação, não apresentando nenhuma base científica
Há 21 dias