Senado rejeita megadecreto de Milei em sessão tensa convocada por vice
O "decretaço", que se assemelha à Medida Provisória no Brasil, busca desregulamentar mais de 300 leis da economia e do Estado argentino
REPORTAGEM: ESTADÃO CONTEÚDO
O senado da Argentina rejeitou o Decreto de Necessidade e Urgência de Javier Milei em uma sessão tensa que foi convocada por sua vice, Victoria Villarruel, sem o seu aval. O “decretaço”, que se assemelha à Medida Provisória no Brasil, busca desregulamentar mais de 300 leis da economia e do Estado argentino. Para seguir em vigor é necessário o aval das duas casas legislativas. Medida volta para votação na Câmara, onde há novo risco de derrota.
Esse é a mais um grande revés para Milei, que recolheu no mês passado a chamada Lei Ônibus, depois de ter o pacote de medidas desidratado em meio às negociações e perder cerca de metade dos artigos. Além de correr o risco de uma nova derrota na Câmara baixa pela fragmentação da base de apoio do governo, o DNU ainda tem trechos judicializados e pode ser analisado pela Suprema Corte em breve.
O dia começou quente na Casa Rosada quando Milei ficou sabendo que sua vice estava chamando para esta quinta-feira, 14, uma sessão especial para votar o DNU por pressão de grupos da oposição kirchnerista. “Eles pretendem avançar com a sua própria agenda sem consulta, a fim de dificultar as negociações e o diálogo entre os diferentes setores da liderança política”, escreveu o perfil oficial da presidência sem citar a vice diretamente.
“O governo nacional espera que o poder Legislativo não se deixe cativar pelo canto da sereia daqueles que pretendem ‘marcar’ vitórias no curto prazo”, continuou o comunicado. Com o início da sessão parlamentária, Milei cancelou a reunião de gabinete que comandaria nesta quinta-feira, 14. Mais tarde, o porta-voz da presidência, Manuel Adorni, negou que haja uma briga entre presidente e vice, dizendo que o comunicado havia sido mal interpretado.
O DNU foi assinado por Milei em 20 de dezembro, 10 dias após sua posse, e propunha desregulamentar mais de 600 leis da Argentina. Para ser mantida, a canetada de Milei precisa de aprovação de ambas as câmaras. A votação no Senado, porém, vinha sendo postergada para que o governo conseguisse os votos suficientes.
Desde que o presidente saiu em uma cruzada contra deputados e governadores de sua própria base de apoio – composta pela centro-direita -, Villarruel vinha atuando para reconstruir as alianças fraturadas. Como vice, ela também preside o Senado.
Tanto por derrotas no Congresso quanto por corte de repasse às províncias, Milei vem enfrentando oposição de governadores de sua base, que chegaram a ameaçar de cortar o petróleo para o país. Os governadores são uma força política importante na Argentina, com enorme capacidade de influenciar seus partidos e as votações legislativas. Como a base libertária é pequena (apenas 38 deputados, 7 senadores e nenhum governador), o apoio da centro-direita é fundamental contra a poderosa força peronista.
Villarruel, em conjunto com o ministro do Interior Guillermo Francos, tentavam desfazer o mal-estar com estes governadores, e o próprio Milei vinha conduzindo reuniões com os mesmos no chamado “pacto de maio”. Mas a oposição kirchnerista foi mais rápida e pressionava a vice para convocar a sessão antes do recesso de páscoa.
Segundo a imprensa argentina, o clima tenso entre Milei e Villarruel já vinha se desenhando há semanas e escalou no fim de semana, quando se tornou público o aumento de salário dos legisladores. Na realidade, presidente e vice vinham se estranhando desde a formação do gabinete presidencial. Durante a campanha, Milei deu a entender que Villarruel, que é filha de militar e defende uma revisão histórica da ditadura, se ocuparia dos temas de segurança e defesa. Porém, depois de uma aliança com Mauricio Macri e Patricia Bullrich, esta última foi designada para a pasta de Segurança, afastando a vice do tema.
Após as brigas de Milei com esta mesma aliança que firmou, Villarruel vinha atuando em um perfil mais tímido, conduzindo ela própria as conversas com aliados, o que, segundo o jornal La Nación, vinha incomodando a Casa Rosada. Fontes libertárias afirmaram ao diário argentino que Milei estava confuso com a decisão de hoje da vice e reclamava de não ter sido consultado.
Nunca um DNU havia sido rejeitado em uma das casas parlamentares na Argentina. Enquanto não é rejeitado por ambas as casas, o decreto segue em vigor. Antes de voltar para votação no Congresso, o mais provável é que o decretaço seja analisado pela Suprema Corte que já recebeu ações de inconstitucionalidade da medida. Sem o DNU e sem a Lei Ônibus, plano econômico de Milei entra em um limbo.