A óptica na produção de biocombustíveis
Nos últimos anos, a partir de quando o termo “sustentabilidade” atingiu o ápice de sua popularidade, pensar na palavra biomassa é associá-la à ideia de produção de energia limpa. Literalmente, biomassa significa a quantidade total de matéria orgânica existente na população animal ou vegetal. Mas, pensar em seu sentido mais específico requer um pouco de reflexão.
Para visualizar a biomassa como aliada à produção de biocombustíveis, por exemplo, é preciso pensar isoladamente em sua componente celulose – embora ela seja ainda formada, em iguais proporções, por M-celulose e lignina, estas não têm papel relevante na produção de biocombustível.
A lignina, por outro lado, mesmo que não possa ser transformada em etanol, assume um papel fundamental para que esse objetivo seja atingido. Ela funciona como a liga que mantém as fibras de celulose unidas e sustentadas. Retirá-la da fibra de celulose, portanto, significa desestabilizar a celulose e permitir que esta, por sua vez, fique nos estado ideal para produção de combustível.
No Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), o docente Igor Polikarpov (Grupo de Cristalografia) coordena uma pesquisa (inclusa no Programa EMU da Fapesp*) que visa à transformação da biomassa do bagaço da cana-de-açúcar em etanol. Em parceria com Igor, o docente Francisco Eduardo Gontijo Guimarães (Grupo de Semicondutores), com a colaboração mestrando do IFSC, Vitor Carlos Colleta, e da pesquisadora da Unicamp, Camila Alves Rezende, coordena outro projeto relacionado que criou uma nova metodologia óptica para separar as três componentes da biomassa da cana de açúcar para, no final, ter acesso à celulose pura e produzir um biocombustível mais eficiente.
Francisco, portanto, através da aplicação de microscopia confocal pela técnica de fluorescência óptica, tem realizado experimentos para medir pequenas frações de lignina de fibras de bagaço de cana de açúcar após estas sofrerem tratamentos químicos específicos. “A maioria dos métodos já existentes só conseguiu medir concentrações de lignina de até 9%. Já chegamos a 1%, e isso porque, através das técnicas específicas que utilizamos, conseguimos enxergar coisas que as outras técnicas não conseguem”, afirma o docente.
As consequências de tal descoberta e nova metodologia desenvolvida por Francisco pode influenciar diretamente na produção de biocombustíveis de melhor qualidade. O docente conta que, por meio dos experimentos realizados, detectou uma relação direta entre concentração de lignina e propriedades ópticas, ou seja, mediu a concentração de lignina nas fibras analisando suas curvas de fluorescência. “Pelo decaimento da fluorescência da lignina, conseguimos identificar a concentração de lignina presente na fibra e mapear sua presença ao longo da parede da fibra de cana de açúcar”, conta.
Outra novidade nessa pesquisa é a medição individual de fibras de celulose. As técnicas já utilizadas com esse propósito até o momento só eram capazes de medir um conjunto de fibras, não possibilitando uma visão mais detalhada. “Quando se analisam diversas fibras de celulose juntas não se observam muitos detalhes, o que conseguimos com microscopia confocal”.
Além desses resultados, outras descobertas foram feitas durante o experimento. Com uma visualização muito mais detalhada, Francisco viu que, na natureza, o arranjo de ligninas em fibras de celulose é extremamente organizado em qualquer ser vivo que a contenha e que, quando rompido esse ordenamento através dos pré-tratamentos químicos, a lignina aglomera-se na parede externa das fibras.
Tantas novidades e inovações da pesquisa em questão chamaram a atenção dos editores da revista inglesa Biotechnology for biofuels que, em fevereiro passado, aceitaram o artigo científico de Francisco sobre a pesquisa em questão para publicação. “Essa é uma revista de alto impacto e todos os árbitros da revista que avaliaram o artigo gostaram do que leram”.
Sobre perspectivas futuras, Francisco afirma que um dos objetivos é desenvolver novas metodologias capazes de acessar a retirada de frações ainda menores da lignina das fibras, indo do 1% (já alcançado) ao 0%. Tendo tido essa técnica óptica aperfeiçoada, as novas descobertas que virão como consequências ainda são desconhecidas, mas sabe-se que virão e, ao que tudo indica, abrirão um mundo de possibilidades, inclusive ecologicamente corretas.
*O Programa Equipamento Multiusuários (EMU) tem por objetivo apoiar a aquisição de Equipamentos para Pesquisa que não podem, ordinariamente, ser adquiridos em Auxílios à Pesquisa Regulares ou Projetos Temáticos (fonte: site FAPESP)