Ministros do STF rejeitam preliminares e atropelam estratégia das defesas na ação do golpe
Ao descartar os argumentos preliminares, a Primeira Turma do STF abre caminho para receber as acusações

Rayssa Motta/AE
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou nesta terça-feira, 25, todos os questionamentos processuais apresentados pelas defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros sete denunciados como integrantes do “núcleo crucial” do plano de golpe.
Os ministros vão decidir amanhã se recebem a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e tornam réus Bolsonaro e seus aliados. Para isso, é necessário avaliar se há elementos suficientes para iniciar um processo criminal – o que se chama no jargão jurídico de “justa causa da ação penal”.
Antes de votar a admissibilidade das acusações, a Primeira Turma analisou, uma a uma, as objeções preliminares levantadas pelas defesas. Com base em argumentos técnicos sobre supostos “vícios” formais no andamento da investigação, os advogados tentavam encerrar prematuramente o inquérito.
Ao descartar os argumentos preliminares, a Primeira Turma do STF abre caminho para receber as acusações.
Os oito acusados que integram o “núcleo crucial” da trama do golpe são defendidos por um elenco de renomados advogados, habituados ao enfrentamento de importantes batalhas nos tribunais superiores. Eles são conhecidos pela estratégia hábil que adotam e que os levam, muitas vezes, a VITÓRIAS surpreendentes. Dominam atalhos dos códigos e regimentos.
No primeiro round do julgamento que pode entrar para a História, os criminalistas foram neutralizados – suas objeções e nulidades foram atropeladas pelos ministros da Primeira Turma do STF. Mas não desistem e agora partem para a próxima etapa do grande confronto judicial.
VEJA TODOS AS PRELIMINARES REJEITADAS PELA PRIMEIRA TURMA DO STF:
Suspeições dos ministros
Os advogados pediram a suspeição dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin, o que os impediria de participar da votação. Os pedidos foram rejeitados pelo plenário do STF em uma sessão extraordinária convocada pela presidência da Corte na semana passada. A Primeira Turma confirmou nesta terça a decisão. Os ministros argumentaram que a análise deste ponto está superada na medida em que a controvérsia foi analisada pelo colegiado.
Os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia aproveitaram para fazer elogios públicos a Alexandre de Moraes. Fux afirmou que o colega não pode ser afastado do processo por ter “atuado com tanta exação e competência”.
“O ministro comportou-se exatamente no sentido que é dever de todo juiz em qualquer lugar do mundo: atuar com imparcialidade para a garantia dos direitos das partes”, acrescentou Cármen Lúcia.
Competência do STF
As defesas dos denunciados também questionaram a competência do STF para processar e julgar o caso. Os advogados alegam que os acusados não têm mais foro por prerrogativa de função e, por isso, o processo deveria tramitar na primeira instância.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, lembrou que o tribunal reafirmou sua competência para processar e julgar ações relacionadas ao 8 de Janeiro de 2023, independente do foro dos acusados.
“Não é algo novo. Em 1.494 ações, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a sua competência para todos os crimes relacionados ao dia 8 de janeiro de 2023”, rebateu Moraes. “O tratamento é igualitário a todos os acusados, a todos os denunciados. Não se justifica nenhum tratamento diferenciado.”
Além disso, em julgamento concluído no dia 11 de março, mas que já tinha maioria formada desde setembro de 2024, os ministros do Supremo ampliaram o alcance do foro privilegiado e expandiram a competência da Corte para julgar autoridades e políticos. O tribunal definiu que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido, mesmo após a saída do cargo.
“Os denunciados exerciam cargos que tinham prerrogativa de foro. Mas não há nem necessidade da análise dessa questão de ordem porque nos casos referentes ao dia 8 de Janeiro, em 1.494 ações nós já confirmamos a competência da turma”, acrescentou Moraes.
Julgamento na Primeira Turma
Os denunciados também pediram para ser julgados no plenário do STF e não na Primeira Turma. Desde 2023, segundo o regimento interno do Supremo, ações penais são julgadas nas turmas, para desafogar o plenário e deixá-lo livre para decidir sobre controvérsias constitucionais.
O ministro Luiz Fux foi o único que votou a favor da transferência do julgamento ao plenário do Supremo e ficou vencido. “Essa matéria não é tão pacífica assim. Essa matéria já foi mudada e remudada e voltou-se à tese originária várias vezes”. Justificou.
“Peço todas as vênias para manter a minha coerência que manifestei na semana passada, eu não posso mudar de opinião de uma semana para outra. E quero deixar bem claro que essa posição de vários colegas vencidos não levou em consideração nem capa de processo nem nome de ninguém. Isso é uma resposta técnica.”
Os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro defendem que a competência das turmas não se aplica a presidentes e, por extensão, a ex-presidentes, especialmente após a ampliação do foro para além do fim do mandato.
O ministro Alexandre de Moraes argumentou que essa é uma previsão “excepcional” aplicada exclusivamente a presidentes em exercício porque o eventual recebimento da denúncia contra o chefe do Executivo provoca o seu afastamento das funções, o que gera a vacância do Poder Executivo.
“Essa expressa previsão de que a competência é do plenário para o chefe do Poder Executivo fundamenta-se na existência de um regime jurídico constitucional diferenciado a quem está exercendo a chefia de Estado e de governo”, explicou Moraes.
Além disso, as defesas alegaram que o julgamento na Primeira Turma suprimiria o chamado “duplo grau de jurisdição”, ou seja, a possibilidade de revisão das decisões pelo colegiado completo
“A ideia do duplo grau de jurisdição é que permita uma revisão de uma decisão monocrática por um órgão colegiado. Nas hipóteses de prerrogativa de foro não se aplica o duplo grau de jurisdição porque o órgão já é colegiado. Isso não é só no Brasil”, rebateu Alexandre de Moraes.
Divisão do processo
A defesa do general Augusto Heleno questionou a divisão do processo. Os advogados afirmam que o julgamento não poderia ter sido fatiado – as análises foram divididas conforme os cinco núcleos da denúncia da PGR – e que a ramificação poderia gerar sentenças antagônicas.
Para os ministros, a fragmentação não prejudica as defesas e também não há risco de divergências nas sentenças porque o órgão julgador é o mesmo, a Primeira Turma do STF.
A ministra Cármen Lúcia lembrou que a possibilidade de fatiamento dos processos penais foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mensalão, em 2007.
Acesso a provas
As defesas também insistem que não tiveram acesso a todas as provas da investigação, como a íntegra das conversas extraídas dos celulares apreendidos pela Polícia Federal.
Os advogados alegam que só receberam documentos selecionados pela acusação. Também afirmam que os documentos estavam desorganizados, o que segundo os criminalistas teria dificultado as defesas.
“Não podemos confundir o tamanho da investigação, a complexidade, com querer jogar documentos”, rebateu Moraes. O ministro reiterou que todo o acervo probatório usado na denúncia foi franqueado às defesas. “Não houve nenhum tipo de deslealdade”, acrescentou Flávio Dino.
O ministro Luiz Fux afirmou que o relator Alexandre de Moraes “comprovou à sociedade que foi dada vista aos advogados de todos os documentos juntados”.
“Houve o cumprimento do que é direito constitucional, ou seja, a garantia de que tudo aquilo que estiver encartado, documentado e que tenha servido de base à acusação esteja disponível”, completou Cármen Lúcia.
‘Vício’ na origem
A defesa do general Braga Netto alegou que a investigação do golpe é irregular porque foi aberta com base no inquérito das milícias digitais. A investigação das milícias digitais foi instaurada de ofício pelo ministro Alexandre de Moraes a partir do compartilhamento de provas de outro inquérito, o dos atos antidemocráticos, arquivado por iniciativa da PGR.
Os advogados do general alegam que o ministro agiu irregularmente ao mandar investigar fatos que haviam sido dados como encerrados pela Procuradoria-Geral da República.
Os ministros defenderam que compete ao próprio Supremo Tribunal Federal definir os termos de um eventual desmembramento das investigações em tramitação na Corte.
Pesca probatória
A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro alegou que ele foi vítima de “pesca probatória” – investigação genérica que mira um alvo específico e tenta produzir provas contra ele sem uma hipótese criminal previamente estabelecida.
O ministro Alexandre de Moraes afirmou que, na verdade, houve um “desencadeamento de investigação”. “No curso de uma investigação séria, uma investigação acompanhada pelo Ministério Público, Polícia Federal, Poder Judiciário, se você encontra outros crimes o que você vai fazer? A Polícia vai simplesmente ignorar os demais crimes?”
Juiz de garantias
Os advogados de Bolsonaro defenderam que deveriam ser aplicadas ao caso as regras do juiz de garantias, que preveem a divisão dos processos criminais entre dois magistrados, um responsável por conduzir a fase pré-processual e outro por analisar as provas reunidas e julgar a ação. A defesa afirmou que a redistribuição é necessária “em razão do papel atuante, semelhante ao dos juízes instrutores, exercido” por Moraes ao longo da investigação.
Os ministros lembraram que os processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não estão sujeitos à sistemática do juiz de garantias.
Delação de Mauro Cid
As defesas de Bolsonaro e Braga Netto tentaram anular o acordo de colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid. A delação de Mauro Cid esteve sob ameaça real de rescisão. A Polícia Federal estava insatisfeita por acreditar que ele estava omitindo informações. Pressionado, o tenente-coronel prestou um novo depoimento diretamente ao ministro Alexandre de Moraes, em novembro do ano passado. Na ocasião, foi avisado que sairia preso se caísse em novas contradições.
“Foi advertido assim como toda testemunha é advertida”, justificou Moraes. “Tem que falar a verdade mesmo, se não é falso testemunho. A lei é a lei.”
As informações prestadas pelo antigo braço-direito de Bolsonaro deram uma guinada na investigação do golpe. A defesa do ex-presidente afirma que o acordo é inválido porque Mauro Cid disse a pessoas próximas que foi pressionado a confirmar uma “narrativa pronta”. Posteriormente, o tenente-coronel afirmou que prestou as informações voluntariamente e negou ter vazado trechos do acordo.
“Em nenhum momento este STF, por meio do ministro relator, interferiu no conteúdo ou nos termos do acordo colaboração premiada, tendo exercido somente o que a lei garante”, afirmou Alexandre de Moraes.
Os ministros levaram em consideração que o próprio Mauro Cid pediu a homologação do acordo e destacaram que ele compareceu acompanhado dos advogados em todos os depoimentos.
“Houve, mais de uma vez, a reiteração da voluntariedade do colaborador. A última das vezes foi na própria tribuna, onde o advogado disse expressamente que o colaborador cumpriu com o seu dever”, acrescentou Moraes.
Pela manhã, durante as sustentações orais na tribuna da Primeira Turma, o advogado Cezar Bitencourt, que representa o tenente-coronel, pediu que o STF rejeite a denúncia em relação a ele com base no seu acordo de colaboração premiada. A defesa afirmou que ele agiu com “dignidade, grandeza e responsabilidade”, “cumpriu com o seu dever” e “tem o direito de receber o que merece”. “As circunstâncias o colocaram nessa situação”, disse Cezar Bitencourt. “Ele apenas serviu à Justiça”.