STF inicia julgamento histórico do mensalão
O Supremo Tribunal Federal (STF) mergulha a partir desta quinta-feira, 2, nos diversos capítulos do escândalo de corrupção conhecido como mensalão, envolvendo um suposto esquema de compra de apoio parlamentar. O episódio, revelado há sete anos, deu início à maior crise política da era Lula e manchou a história do PT.
Os 11 ministros que compõem o STF começam a julgar os 38 réus do chamado mensalão no mais importante processo da área política na história da Corte. Eles são acusados pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, gestão fraudulenta e formação de quadrilha e fraude.
Neste primeiro dia de julgamento, o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, fará a leitura de um resumo de três páginas do relatório. Logo, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, terá até cinco horas para se manifestar.
A defesa dos 38 réus, dos 40 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), inicia-se na sexta-feira. Cada advogado terá até uma hora para apresentar as sustentações orais, serão cinco defesas por dia. O início dos votos dos ministros está previsto para a partir do dia 15, podendo levar o tempo necessário, sem previsão exata para o término do julgamento.
Segundo a denúncia da PGR, o alegado esquema funcionaria com o desvio de recursos públicos que seriam usados para a compra de apoio entre parlamentares da base governista no Congresso. A defesa de alguns réus sustentará que os valores representavam caixa dois de campanha.
O escândalo foi o pior momento político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em pronunciamento à nação em meio à crise, o então presidente disse se sentir “traído por práticas inaceitáveis”, às quais afirmou não ter conhecimento, e pediu desculpas em nome do governo e do PT pelas denúncias.
O governo Lula foi atingido em seu âmago pelas denúncias que alcançaram o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, responsável pela construção da coalizão que elegeu o petista em 2002 e uma espécie de primeiro-ministro do Executivo federal à época.
Outros nomes próximos ao presidente foram envolvidos: o então ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e a cúpula do PT à época: o presidente José Genoino, o tesoureiro Delúbio Soares, e o secretário-geral Sílvio Pereira.
O nome mensalão foi cunhado pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), à época presidente do partido, cargo que ocupa novamente. Ele apontou Dirceu como comandante do esquema que denunciou em duas entrevistas ao jornal Folha de S.Paulo.
As denúncias deram espaço para a abertura da CPI dos Correios, no Congresso, que aprofundou a crise e trouxe à tona outros nomes ligados ao PT, como o marqueteiro Duda Mendonça, que fez a campanha vitoriosa de Lula em 2002 e recebeu parte dos pagamentos pelos serviços prestados via o esquema, de acordo com a denúncia da PGR.
Duda teria recebido parte do dinheiro no exterior de forma não declarada. O marqueteiro afirma que desconhecia a origem ilícita dos recursos.
REVÉS EM CARREIRAS
Delúbio foi o único que admitiu alguma prática criminosa, de caixa dois na campanha eleitoral, segundo o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa. Os demais negam as acusações e apontam ausência de provas apresentadas pelo Ministério Público Federal.
O escândalo foi um forte revés na carreira política da maioria dos envolvidos, que foram afastados do governo ou de seus cargos, tiveram perdas econômicas e não conseguiram recuperar a posição que tinham antes da denúncia.
Mesmo sem previsão para o fim do julgamento, a corte fará um esforço para concluir o caso até o dia 3 de setembro, quando se aposenta o ministro Cezar Peluso, disse à Reuters em junho o presidente do STF, ministro Carlos Ayres Britto.
Peluso poderá, entretanto, deixar seu voto registrado caso o processo se estenda para além deste prazo.
Existe também a possibilidade de o ministro Antonio Dias Toffoli declarar-se impedido de participar do julgamento. Ele já trabalhou para o PT e foi assessor da Casa Civil da Presidência quando Dirceu era ministro. Além disso, a namorada de Toffoli, que é advogada, já defendeu um outro réu no processo, o ex-deputado Professor Luizinho.
“O” RÉU
Apesar de serem centrais no processo nomes como o de Delúbio e do publicitário Marcos Valério, que tinha contas com o governo e, de acordo com a denúncia da PGR, foi o pivô da estrutura de corrupção e lavagem de dinheiro, a principal figura da ação é José Dirceu.
Um dos fundadores e ex-presidente nacional do PT, além de ex-ministro-chefe da Casa Civil de Lula, ele foi forçado a renunciar ao cargo e teve o mandato de deputado federal cassado na esteira do escândalo. Ele é apontado na denúncia feita em 2006 pela PGR como um dos integrantes do núcleo central da “organização criminosa”.
Dirceu era visto como um dos homens fortes do governo Lula, funcionando na prática como um “primeiro-ministro”. Acabou sendo substituído no cargo pela então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, hoje presidente da República.
Para analistas jurídicos, sua condenação é considerada a mais difícil, pela dificuldade de encontrar provas materiais que o liguem ao esquema. (edição de Alexandre Caverni e; Maria Pia Palermo)