APEOESP não considera adequada volta às aulas em fevereiro
Ronaldo Mota afirmou que as escolas estaduais não têm como garantir equipamentos de proteção aos alunos
O conselheiro estadual da APOESP (Sindicato dos Professores e Ensino Oficial do Estado de São Paulo) em São Carlos, Ronaldo Nascimento Mota questiona a decisão do governo estadual de retomar as aulas presenciais em 8 de fevereiro.
Para ele, as escolas estaduais não têm como garantir equipamentos de proteção aos alunos. Ele acrescenta que a diversidade socioeconômica dos alunos impede que o aprendizado remoto e virtual aconteça de forma eficaz. Mota acrescenta que só será seguro o retorno após a vacinação atingir o maior número de pessoas.
Outro ponto ressaltado por ele é o aumento da circulação de pessoas e do vírus. Avalia que muitos professores possuem jornada dupla, trabalhando em mais de uma escola e rede de ensino.
Confira a entrevista na íntegra:
PRIMEIRA PÁGINA – Quais as dificuldades que professores e alunos encontraram dentro do ambiente de aulas on-line em 2020? Qual o aprendizado que fica para o ano letivo de 2021?
RONALDO NASCIMENTO MOTA – Falta estrutura do Estado no fornecimento de equipamentos de interação virtual dos alunos com o professor. Muitos não possuem condições econômicas para adquirir um pacote de dados. A enorme diferença social existente na sociedade se refletiu nesse momento. Portanto para garantir o mínimo é necessário fornecer esses equipamentos e melhor a estrutura de informação digital, pois existem pontos na cidade que independente da condição social, a internet de qualidade não existe.
PP – Voltar às aulas presenciais, na visão da Apeoesp, seria seguro a partir de quando e em que condições?
MOTA – É seguro apenas com vacina para todas e todos, infelizmente não há um plano nacional articulado e nem vacinas. Tudo é um improviso
PP – Os professores tiveram remuneração adicional para arcar com custos das aulas online?
MOTA – Nenhuma remuneração extra, pelo contrário. A exemplo do que ocorreu com os demais servidores públicos, as carreiras e as vantagens por estudo e tempo de trabalho foram congelados até o final de 2021.
PP – Escolas públicas, principalmente as estaduais, oferecem condições de segurança, distanciamento e higiene adequadas para aulas presenciais?
MOTA – É preciso esclarecer que a volta às aulas provoca aumento da circulação de pessoas e do vírus: entre os professores há vários que possuem jornada dupla, trabalhando em mais de uma escola e rede de ensino. Muitos se deslocam utilizando o transporte público ou moram com pessoas de grupo de risco. Os vários estudantes não residem próximo da sua residência e por isso, terão que se deslocar utilizando algum meio de transporte.
As escolas públicas possuem quadro deficiente de equipe de apoio, o que significa dizer que não é possível garantir a rotina na limpeza de banheiros e afastamento dos alunos no interior de salas e demais espações da escola Esse quadro deficiente de trabalhadores em educação foi agravado, pois existe um contingente com pessoas que é do grupo de risco e que não retornará.
Os estudantes possuem idade da inquietação e da descoberta e não temos como garantir a manutenção de máscara durante a permanência na escola e no deslocamento, tampouco poderemos identificar os casos assintomáticos dos contaminados [em razão da ineficiência do Estado em fornecer testagem em massa para a população], bastante comum nessa faixa etária, mas que são vetores de transmissão.
PP – A rede estadual de ensino está devidamente preparada para oferecer aulas online de qualidade aos alunos?
MOTA – Não. Infelizmente não temos condições presenciais e nem online. A diferença é que o ensino presencial expõe o aluno e a comunidade ao risco da contaminação.
PP – Os professores dispõem das ferramentas necessárias para melhor pedagogia nas aulas online?
MOTA – O governo de forma muito lenta e limitada financeiramente iniciou um processo de financiamento de equipamentos aos professores. A desvalorização salarial dos professores também impõe a falta de condições de obter equipamentos tecnológicos.
PP – Os alunos conseguem manter o interesse e a conectividade às aulas online?
MOTA – O Brasil tem pouca tradição cultural para valorizar a escola, os professores e a aprendizagem. Parte das famílias considera que a educação ocorre com o simples fato de ir à escola. Com o ensino online os problemas ficam evidentes, também a falta de acompanhamento familiar para os estudos. A maioria não possui equipamento (computador ou celular) em condições de baixar aulas.
PP – A Apeoesp tem levantamento estatístico sobre quantos profissionais da Educação foram infectados pela Covid-19 até aqui, em São Carlos e no Estado? Houve óbitos na categoria?
MOTA – Tivemos óbitos de professores, gestores e funcionários na Diretoria de Ensino de São Carlos, mas os dados são precários, pois considera-se que a contaminação ocorreu fora do meio escolar e, portanto, os casos não são computados.
PP – A pandemia serviu para escancarar ainda mais a precariedade do ensino público no Estado e no País?
MOTA – Sim, acho que esses dados são significativos. Os professores tiveram um grande esforço para levar o aprendizado, porém esbarramos em falta de condições de trabalho, seja por falta material de professores e alunos ou das condições das famílias.
PP – Há quem diga que o sistema de ensino público está obsoleto demais, em termos de conteúdo pedagógico, para se adequar ao mundo contemporâneo e digitalizado. Isso corresponde à verdade? O que pode ser feito para mudar esse cenário?
MOTA – O problema não é a capacidade ou atualização dos professores e gestores, pois esses fazem curso, mestrados e doutorados, é uma equipe extremamente capacitada. Porém, a crise social e econômica faz com que as condições da escola e o investimento no atendimento das famílias tenham que ser muito maiores e efetivos. A falta de estrutura das escolas públicas e do próprio investimento no professor com salário e carreira é denunciada há muito tempo e o que temos é muito marketing político acobertado por especialistas que ignoram a situação real da escola.