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Como nosso cérebro aprende a “falar”?

11/05/2013 22h14 - Atualizado há 12 anos Publicado por: Redação
Como nosso cérebro aprende a “falar”?

Há muitos anos, ainda no século XIX, Charles Sanders Pierce apresentou oficialmente ao mundo a “semiótica”, palavra usada para definir a “ciência dos signos” e utilizada para explicar sistemas de significação, ou seja, como fazemos a associação entre forma (significante) e conteúdo (significado) daquilo que nos cerca. Embora tenha dado corpo mais forte ao conceito, Pierce não foi o primeiro a propô-lo, antecedido por Henry Stubbes, que em 1670 tentou aplicá-lo à medicina, e por John Locke, estudando-o na obra “Ensaio acerca do entendimento humano”, em 1690.

Da mesma forma que não faltaram antecessores à Pierce, até hoje diversos estudiosos tentam desvendar como o cérebro associa informações referentes aos fenômenos culturais que nos rodeiam e, inclusive, ao nosso próprio vocabulário. Exemplo desse fato é a pesquisa desenvolvida pelo docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), José Fernando Fontanari, que, através de modelagem matemática, estuda os processos pelos quais nosso cérebro faz a aquisição de vocabulário, ou seja, como uma criança ou um adulto associa os objetos que os rodeiam às palavras que lhes dão nome. “Muitas palavras de nosso vocabulário são adquiridas de maneira supervisionada, mas grande parte não. Nossos pais não nos ensinaram as palavras, a maior parte delas aprendemos simplesmente observando a maneira como as pessoas se comunicam”, explica o docente.

Uma das correntes filosóficas que servem como base à pesquisa de Fontanari é o associacionismo, sugerida por John Locke, que atribui exclusivamente ao ambiente a constituição de características humanas, privilegiando a experiência como fonte do conhecimento e de formação de hábitos de comportamento. “Por exemplo, se uma pessoa ouve a palavra ‘banana’ em várias situações nas quais há um objeto comestível, amarelo e em formato de bumerangue, a associação de ‘banana’ a esse objeto será feita pelo cérebro quase imediatamente”, exemplifica Fontanari.

É aí que mora uma “pegadinha” e, certamente, uma das maiores interrogações para os pesquisadores dessa temática: no caso do exemplo anterior, há diferentes contextos onde a palavra “banana” será mencionada e, neles, outros objetos estarão presentes. Como, então, associar corretamente a palavra a um objeto específico? A pesquisa de Fontanari consiste, justamente, na modelação matemática desses eventos e, em particular, de uma série de experimentos com voluntários adultos realizados no Departamento de Psicologia e Ciência do Cérebro da Universidade de Indiana (EUA).

Tendo como base esses experimentos, Fontanari e o pós-doutorando, Paulo Tilles, propuseram um algoritmo* que aprende as associações entre palavras e objetos de forma parecida com o cérebro humano.  A proposta desse algoritmo- que rendeu, inclusive, uma publicação no Journal of Mathematical Psychology, em novembro passado- resume-se à essência do associacionismo. “Comparamos o desempenho desse algoritmo com o desempenho dos adultos nos experimentos do pessoal de Indiana e foi algo incrível, pois o algoritmo mostrou-se dez vezes mais eficiente e preciso do que o cérebro humano”, conta o pesquisador.

Para que o algoritmo proposto, portanto, tivesse seu desempenho equiparado ao do cérebro humano, foram introduzidas duas alterações: uma limitação à sua memória e menos precisão na contagem de grandes quantidades. “Nós, humanos, não somos capazes de distinguir quantidades com precisão infinita. Se olharmos um frasco com 100 bolinhas e outro com 95 bolinhas, não conseguiremos ter a noção de que um tem cinco bolinhas menos do que o outro. Já o algoritmo, que funciona matematicamente, saberá fazer essa distinção com precisão, independente da quantidade de bolinhas, no caso, coocorrências de palavras e objetos, que lhe for apresentado”, explica Fontanari.

Esse algoritmo foi proposto com importantes propósitos. No que se refere à pesquisa básica, será uma maneira de se ter conhecimento sobre os mecanismos utilizados pelos humanos para aprender o vocabulário e se comunicar. Com esse entendimento em mãos, cria-se, simultaneamente, uma metodologia capaz de ensinar o uso da linguagem para robôs “Simplesmente observando o mundo, um robô será capaz de fazer associações objeto-palavra, e muito mais rapidamente do que um ser humano”, afirma o docente. Embora pareça um pouco futurista, já existe uma pesquisa em andamento na Universidade de Plymouth, comandada pelo pesquisador e também colaborador de longa data de Fontanari, Angelo Cangelosi, na qual se procura ensinar um robô-bebê a falar.

A pesquisa de Fontanari, em andamento, ainda precisa aperfeiçoar alguns pontos, inclusive introduzir o vínculo da exclusividade mútua no algoritmo (veja Box). Antes de se criar uma metodologia capaz de ensinar robôs a associar imagens e palavras, outros desafios se colocam à frente dos pesquisadores, uma vez que diversas características desse aprendizado são inerentes aos humanos e, em alguns casos, sem explicação lógica. “Como sabemos o que é um objeto? Como damos nomes a um objeto geral e nomes diferentes a seus componentes? Ensinar essas diferenciações a um robô é matematicamente impossível, pois se abre uma infinidade de possibilidades”, diz Fontanari.

Tais respostas ainda são um mistério, tanto para filósofos, como para físicos, psicólogos ou estudiosos de qualquer uma das áreas do conhecimento envolvidos com essa temática. Mas, certamente, muitos deles creem que quando tais respostas forem dadas, uma metodologia revolucionária terá nascido, sendo capaz não somente de ensinar às máquinas habilidades intrínsecas aos seres humanos, mas de desvendar mais uma pequena parte de nosso complexo e misterioso cérebro. 

 

* Um algoritmo é uma sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas, cada uma das quais pode ser executada mecanicamente num período de tempo finito e com uma quantidade de esforço finita (fonte: Wikipedia)

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