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Evangélicos devem ultrapassar católicos no Brasil a partir de 2032

Possível transição religiosa acelerada do Brasil, de maioria católica para protestante, é processo sem antecedentes históricos

11/11/2023 23h59 - Atualizado há 3 semanas Publicado por: Redação
Evangélicos devem ultrapassar católicos no Brasil a partir de 2032 Rovena Rosa/Agência Brasil

Todos os anos é comemorado no Brasil o dia de Corpus Christi, uma data religiosa da Igreja Católica que tradicionalmente se tornou um feriado no Brasil. As procissões católicas que ocorrem em diversas cidades, em ruas forradas por tapetes de serragem e borras de café, com destaque para os tapetes confeccionados pelas ruas de Matão (SP), passaram a ter a concorrência de um evento que, nos últimos anos, tem dividido o protagonismo religioso da data.

Organizado fundamentalmente por igrejas neopentecostais, a Marcha para Jesus reuniu, em 2023, centenas de milhares de pessoas na capital paulista, com a presença de figuras públicas do primeiro escalão dos poderes constituídos, Executivo, Legislativo e Judiciário.

O fenômeno do crescimento no Brasil do grupo religioso chamado genericamente de “evangélicos”, que reúne fiéis de igrejas protestantes, pentecostais e neopentecostais, tem levado estudiosos a elaborarem a hipótese de que o país está passando por uma “transição religiosa”, deixando de ser uma nação predominantemente católica para dar lugar a uma hegemonia evangélica, o que poderia se consumar a partir de 2032.

Caso a hipótese de transição religiosa se confirme, não é possível nesse momento afirmar que tipo de país o Brasil se tornará. Essa é a avaliação do professor Edin Sued Abumanssur, graduado e pós-graduado em teologia e pesquisador especializado na temática do protestantismo e do pentecostalismo. “Se é que está acontecendo de fato esta transição, a gente não viu isso acontecendo em nenhum país em lugar nenhum do mundo. Então não dá para dizer o que é que vem por aí, não dá para gente entender ou fazer um prognóstico do que é que vem por aí porque a gente não tem experiência histórica para ajudar a gente a pensar”, afirmou ao podcast Prato do Dia Edin Sued Abumanssur, que coordena o programa de estudos pós-graduados em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Embora a alta histórica no número de evangélicos no Brasil seja evidente, o docente pondera que o pentecostalismo e o neopentecostalismo ainda pregam essencialmente para um espectro específico da sociedade brasileira, e carecem de um projeto abrangente para os problemas nacionais. Além disso, na hipótese de a transição religiosa estar em curso, o evangélico também teria de fazer inúmeras concessões para se tornar hegemônico.

 

 

AVALIAÇÃO

Para especialista, tradições e festas juninas podem perder espaço

Doutor em sociologia pela USP, professor associado do Departamento de Sociologia da UFSCar, pesquisador do CNPq e coordenador do Núcleo de Religião, Economia e Política (NEREP), André Ricardo de Souza afirma que caso o Brasil venha a ter maioria evangélica podem ocorrer muitas mudanças. “Caso isso efetivamente ocorra, penso que os evangélicos tenderão a se tornar um pouco mais liberais em seus costumes e feições morais, flexibilizando-se, de alguma maneira, para amoldarem-se mais ao perfil genérico da sociedade brasileira, algo que já é feito, sobremaneira, pelas denominações neopentecostais, capitaneadas pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que difere bastante da tradicional e já centenária Congregação Cristã do Brasil, por exemplo”, ressalta ele.

Até mesmo tradições seculares brasileiras podem estar em risco, caso a maioria dos brasileiros aderirem a novas religiões. “Alguns hábitos tipicamente católicos, como a ida aos cemitérios e a realização de celebrações no Dia de Finados, tenderão a se esvaziar mais, assim como determinadas e tradicionais práticas regionais, como a elaboração das chamadas carrancas em barcos nordestinos para ‘espantar maus espíritos’”, destaca ele.

Porém, o preconceito contra as religiões de matriz africana poderão aumentar ainda mais. “As religiões afro-brasileiras, principalmente a umbanda (dada sua fragilidade decorrente de seu grande sincretismo) tenderão, infelizmente, a ficarem ainda mais residuais na sociedade brasileira”, explica Souza.

O especialista em religiões também destaca que um país de maioria evangélica e conservadora poderá representar alguns retrocessos nas liberdades individuais, como relacionamentos homoafetivos, por exemplo. “Esta é talvez a maior incógnita, caso a ocorra realmente a superação demográfica dos evangélicos sobre os católicos. No cenário de hoje, a resposta a essa pergunta seria ‘sim’. Mas a questão é saber se o grau de liberalização evangélica, que mencionei na resposta à primeira pergunta, será de tal monta para não contradizer essa tendência. Tomando mais uma vez o caso da IURD cabe dizer, por exemplo, que seu líder Edir Macedo não condena o aborto e até incentiva sua realização como forma de a família evitar a pobreza. Por outro lado, há igrejas pequenas conduzidas por pastores com certa popularidade, como o atual deputado federal pelo PSOL-RJ Henrique Vieira. Fica certa dúvida se ele e outras lideranças evangélicas com tal perfil conseguirão se fazer mais ouvidas por seu segmento religioso”, avalia.

O Vaticano, de acordo com Souza, assiste a tudo  de forma passiva. “O comando católico mundial nada faz a respeito, preocupando-se mais com questões internas da própria igreja. quando chefiado por um papa progressista, como é caso agora de Francisco, volta-se um pouco mais para questões não estritamente religiosas, como a paz mundial, a defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, por exemplo. Mesmo aqui no país, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já não se posiciona mais em relação ao avanço evangélico, tendo, na prática, desistido de investir categoricamente na vertente contrária ao avanço evangélico, que é a Renovação Carismática Católica, algo que ocorria nos anos 90 e que pude discutir em meu pequeno livro ‘Igreja in concert: padres cantores mídia e marketing’(Editora Anablume, 2005)”, analisa o pesquisador.

Por fim, ele condena o preconceito de parte dos evangélicos para com religiões como Umbanda e Candomblé. “Um problema sério no cenário religioso brasileiro é a perseguição, às vezes bastante violenta, da parte dos evangélicos aos adeptos dos cultos afro-brasileiros, mediante agressões também físicas, ameaças, coações e destruição de templos. Uma forma de enfrentamento disso se dá através de práticas ecumênicas, reunindo seus adeptos, assim como católicos e alguns ativistas protestantes. Pude analisar isso em um artigo publicado na revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, disponível na internet e intitulado ‘A ecumênica busca de apoio aos adeptos dos cultos afro-brasileiros vitimados por intolerância’ Pensar e buscar formas de convivência minimamente respeitosa no campo religioso brasileiro é um desafio que poderá crescer”, conclui Souza.

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