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Nicola Gonçalves imortal

o alto de seus 95 anos completados recentemente “seu” Nicola pôde exercitar mais uma vez a gratidão, velha companheira de jornada, ao homena

08/08/2024 16h16 - Atualizado há 1 mês Publicado por: Redação
Nicola Gonçalves imortal Foto: Redes Sociais

Cirilo Braga

A notícia consternou toda uma cidade e, em particular, os confrades da Academia Literária de São Carlos, irmanados pelo privilégio de contar com sua presença entre os fundadores e em saber o quanto esse fato o alegrou em seus últimos dias.

Na Academia, do alto de seus 95 anos completados recentemente “seu” Nicola pôde exercitar mais uma vez a gratidão, velha companheira de jornada, ao homenagear Octavio Carlos Damiano, seu amigo e incentivador no mundo das Letras, que indicou como patrono de sua cadeira na ALSCar.

A ninguém passava despercebida a figura do homem cordato, que olhava fixamente nos olhos de seus interlocutores. A boa prosa era a marca do carpinteiro e escritor independente que soube ser ao mesmo tempo um escultor de afetos.

Muitos o conheceram como o homem generoso que produzia e doava muletas e bengalas aos necessitados. E também distribuía de graça os livros que escreveu e publicou às suas expensas.

Afeito às coisas do cotidiano e da memória, cuidou de preservar exemplares dos antigos bondes de São Carlos. E em seu livro “Histórias que o povo guardou”, convidava o leitor a um saboroso passeio pelo universo das pessoas que vivem no campo e conservam antigos costumes que parecem deslocados no espaço e no tempo. O livro compôs a coleção que reuniu num estojo de madeira, unindo seus dois ofícios para presentear amigos. Ali estavam “Crônicas e Histórias de São Carlos e outras localidades”, “Recordar é viver”, “Uma inesquecível viagem de trem de ferro e outras histórias”, “O quintal de minha casa” e “Contos e fatos do Brasil”.

Na apresentação de “Lembranças esparsas” – espécie de resenha de sua caminhada no mundo das letras -, escreveu: “Aos meus estimados leitores e leitoras dedico este modesto livro de lembranças, talvez o último, agradecendo imensamente pela leitura do mesmo. O Autor”.

Assim como o carpinteiro faz arte a partir da madeira bruta, a produção literária de Nicola tem todas as suas etapas esculpidas por este original escritor, que manteve uma máquina de xerox em sua casa para reproduzir seus textos e distribuir a quem se interessasse.

Declarou certa vez numa entrevista que passou um tempo desalentado sem saber o motivo. E que a vontade de escrever o visitava no cair da noite e logo ia embora, deixando em seu lugar a angústia. Sentia saudades de sua cidade natal, Colina, no norte do Estado, e das pessoas queridas já falecidas. Porém, nas letras encontrava o lenitivo ideal.

Aprendeu a ler com dez anos de idade, passou dois anos sem estudar quando seus pais se mudaram para uma fazenda e, ao completar os estudos, fez um curso de redação jornalística na capital. Foi então que captou o poder de concisão que casou tão bem com o seu jeito direto de se expressar.

Leitor de Graciliano Ramos, de José Mauro de Vasconcelos e de José Lins do Rego, passou a escrever contos que enviava para revistas do Rio e Minas, emplacando publicações em coletâneas de contos premiados.

Nicola possuía a virtude rara de pensar no outro e buscar acender uma luz no horizonte das pessoas. Uma vez ao ano promovia uma campanha de doação de alimentos para populações carentes e costumeiramente fazia palestras em escolas e bibliotecas, despertando curiosidade por suas histórias que cativavam a todos.

O homem que chegou a São Carlos em 1943 cultivava a lembrança de dona Antonieta – grande amor e companheira de caminhada por quarenta anos -; do trabalho na imprensa local como  colaborador da Revista São-carlense  e dos jornais “A Cidade” e “A Tarde”, assinando a coluna “Retratos do Folclore” nos anos 50 e 60; dos estudos de português com a professora Thelma Martinez Novo; do início dos trabalhos na Serraria do Bonde em 1967 quando recuperou vagões do meio de transporte sempre vivo nas recordações de muitos são-carlenses. E de inúmeros outros acontecimentos.

Sua vida e sua obra, seu modo de vida e seu exemplo, são um alento para nós que temos a sorte de ser contemporâneos e conterrâneos honorários seus.

Confrades acadêmicos e aprendizes do amigo que deixa saudades e lições tanto quanto as histórias dos seus livros que haveremos de guardar.

Recebam seus familiares e amigos as condolências da Academia Literária de São Carlos.

 

Cirilo Braga é jornalista, escritor, cronista e memorialista

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