Parceria busca nova solução para tuberculose
A Tuberculose humana é uma doença responsável pela morte de dois milhões de pessoas anualmente ao redor do mundo, sendo que o número de infectados pela bactéria M. tuberculosis sem necessariamente manifestar a doença, é ainda mais alarmante, chegando a um terço da população mundial.
Com uma origem que remonta ao período entre o sétimo e sexto milênio AC (Antes de Cristo), esta bactéria é conhecida pelo seu crescimento lento e pela sua veiculação aérea, provocando um ciclo de transmissão através de perdigotos (saliva expelida através da tosse) eliminados por pacientes que sofrem de tuberculose.
Entre os países desenvolvidos industrialmente, a atenção médica e a introdução dos primeiros fármacos direcionados ao tratamento da doença levou a um grande otimismo em relação ao controle e erradicação da bactéria. Ironicamente, este mesmo cenário acabou por desestimular a indústria farmacêutica no desenvolvimento de novos fármacos que, nos últimos 40 anos, apenas introduziu no mercado poucos medicamentos alternativos contra o bacilo da tuberculose, principalmente devido ao pouco retorno financeiro que o investimento proporcionaria.
Este fator, associado a uma série de mudanças sociais, políticas, econômicas e de saúde pública, além dos fenômenos de urbanização, pobreza e desigualdade, motivou um preocupante ressurgimento da doença a partir dos anos 80, especialmente em países de terceiro mundo. Agravando este quadro, o fornecimento irregular de fármacos, a prescrição médica inapropriada e a baixa adesão do paciente ao tratamento deram origem a uma nova geração da bactéria, mais resistente às drogas disponíveis, o que torna esta doença um dos maiores desafios da medicina moderna.
Atentos à urgência de uma solução inovadora para o problema, o Prof. Alzir Batista, do Departamento de Química da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos, juntamente com o professor Javier Ellena, do IFSC-USP – Instituto de Física de São Carlos, e a Dra. Clarice Queico Leite, da Faculdade de Farmácia da UNESP, de Araraquara, engajaram-se na luta contra a tuberculose, trabalhando no desenvolvimento de novos fármacos para aplicação em um regime de tratamento mais curto (o tratamento atual tem duração, em média, de seis meses).
Uma nova resposta para um velho problema
A parceria entre Batista e Ellena teve início em 1998 e já rendeu muitos resultados significativos, inclusive na investigação de fármacos contra o câncer e contra as chamadas doenças negligenciadas. No que diz respeito ao projeto específico contra a tuberculose, os pesquisadores procuram investigar as barreiras biológicas que devem ser ultrapassadas por medicamentos até seu alvo específico dentro do corpo, ou seja, os problemas de transporte que acabam por reduzir a eficácia do fármaco contra a doença.
Isso quer dizer que, além de provar que o medicamento tem um bom desempenho na ação contra um micro-organismo causador de enfermidades, os pesquisadores também têm de provar que, no interior do corpo humano, este medicamento conseguirá encontrá-lo, chegar até ele e combatê-lo, sem que outros processos biológicos e barreiras físicas, como órgãos e outros tecidos, prejudiquem ou sejam prejudicados pela sua ação.
“Para isso, utilizamos os chamados cargadores, que são moléculas maiores e mais flexíveis, com propriedades específicas que as permitem passar através de tecidos e levar os agentes do medicamento até o lugar de origem da doença, que no caso da tuberculose é uma enzima específica”, conta o professor Javier Ellena, do IFSC-USP. Estas moléculas estão intimamente relacionadas à atividade de complexos organometálicos de rutênio, um dos grandes interesses de pesquisa da parceria IFSC/UFSCar desde sua origem.
Segundo Ellena, os complexos organometálicos tem sido um campo de exploração relativamente recente pois, geralmente, inserir estes complexos no corpo humano não é uma boa ideia. “Nós temos estes complexos no corpo, mas em pouca quantidade”, aponta ele. “Em grande quantidade, eles podem se ligar a algumas proteínas e danificá-las, causando intoxicação”, completa. O mercúrio, que se encaixa nesta categoria de íons pesados, causa um grande número de intoxicações graves no Brasil através do seu uso por garimpeiros na extração de ouro da terra. É por esta razão que os pesquisadores trabalham com o rutênio, um complexo mais estável, mais tolerado pelo organismo humano (portanto menos perigoso) e muito mais bem estudado pela ciência. “O principal diferencial entre o tratamento atual e este novo fármaco é este cargador, ou seja, temos um novo sistema de liberação dos agentes. É uma nova resposta para um velho problema”, esclarece o pesquisador.
Os testes “in vitro” – aplicação do medicamento em proteínas isoladas em laboratório – já foram realizados com ótimos resultados, além dos testes “in vivo”, em pequenos animais. O próximo passo é dar início a experimentos clínicos, em humanos, o que exige grandes preparativos e financiamentos, além de parcerias com empresas farmacêuticas responsáveis pela supervisão dos testes. Mas uma das grandes superações do projeto foi a investigação da atuação do composto desenvolvido pelos pesquisadores sobre a enzima específica que é fonte da tuberculose no corpo humano.
“Em uma colaboração com a Dra. Rosilene Fressatti Cardoso da Universidade Estadual de Maringá, o projeto conseguiu entender melhor a atuação do fármaco dentro do corpo, o que é muito difícil em qualquer medicamento. Normalmente, sabemos qual é seu efeito, sabemos provocar um efeito específico, mas entender sua ação no organismo de fato é um mistério”, conta Batista. A pesquisadora sugeriu que a atuação dos compostos obtidos pelo pesquisador da UFSCar ocorre a nível de biossíntese, na parede celular das bactérias.