Educação

Parceria entre UFMS e USP desenvolve projeto inédito que mapeia teses e dissertações em temas estratégicos da pós-graduação nos estados brasileiros

Evento de lançamento da Agenda Nacional e do Observatório foi realizado dia 17 de novembro na CAPES, em Brasília/Professora Solange Rezende

Pesquisadores desenvolvem soluções inovadoras de IA para mapear teses e dissertações do Sistema Nacional de Pós-Graduação relacionadas aos 470 temas estratégicos da Agenda Nacional, definidos pelos estados brasileiros

Quando se tornou mestre no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, Marcelo Turine era um jovem pesquisador que sonhava seguir carreira acadêmica e contribuir para inovar a gestão nas  universidades públicas brasileiras. O que ele talvez não imaginasse é que, anos depois, retornaria à cidade são-carlense para ajudar o país a responder justamente à pergunta que define sua própria trajetória: onde estão, afinal, os mestres e doutores que formamos ― e como eles impactam o desenvolvimento dos estados brasileiros e do Brasil?

É essa resposta que Turine busca construir como coordenador da equipe parceira do projeto do Observatório da Agenda Nacional de Formação de Pessoal de Nível Superior, lançado  recentemente pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O projeto envolve universidades, fundações estaduais de amparo à pesquisa e especialistas de diversas áreas do conhecimento a fim de compreender, de forma estruturada e comparável entre regiões, como a pós-graduação brasileira se relaciona com os desafios reais do país.

“O Observatório materializa a Agenda Nacional, permitindo que o Brasil olhe para si mesmo, com método, ciência e participação democrática, e pergunte: como fazer com que cada pesquisa, cada novo mestre e doutor transforme as realidades do nosso país?”, afirma Turine, que foi reitor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) por dois mandatos (2016 a 2024), e agora é pós-doutorando no ICMC sob supervisão da professora Solange Rezende.

De onde veio a Agenda e por que ela é necessária

A Agenda Nacional começou a ganhar forma em 2023, quando a CAPES percorreu os 27 estados brasileiros organizando oficinas para ouvir representantes de governos, universidades, setor empresarial e sociedade civil. O objetivo era identificar os temas que cada território considera estratégicos para a formação de mestres, doutores e pós-doutores no contexto do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG 2025-2029).

Segundo Alice Souto Maior, coordenadora da iniciativa da Agenda Nacional e da respectiva Comissão na CAPES, as oficinas foram essenciais para garantir que o processo fosse participativo e representativo, reunindo diferentes setores da sociedade para refletir sobre a pós-graduação e sua contribuição para os desafios e potencialidades dos territórios. “Cada grupo trazia um olhar distinto sobre o papel de mestres e doutores. Enquanto as universidades já têm clareza sobre a relevância da pós-graduação brasileira para o desenvolvimento do país, os demais setores nem sempre possuem essa clareza. Por isso, começávamos cada encontro contextualizando o papel de mestres e doutores nas sociedades, para que todos pudessem contribuir de forma qualificada”, explica.

Nestas oficinas foram recolhidas centenas de sugestões, expressas de maneiras muito diferentes, desde palavras isoladas até longos parágrafos descrevendo necessidades locais. A partir desse material, a CAPES consolidou 470 temas estratégicos, organizados em 20 macrotemas que refletem vocações regionais, desafios estruturais e áreas emergentes de interesse nacional.

Com a Agenda de temas estratégicos definida, surgiu uma segunda pergunta: a pós-graduação brasileira está, de fato, alinhada aos desafios estratégicos dos estados brasileiros? E, em que medida forma pessoas nas áreas consideradas prioritárias pelos estados? Para responder a isso, foi criado o Observatório da Agenda Nacional. A ferramenta combina a temática identificada pelos estados com informações sobre trabalhos defendidos, docentes, e produção intelectual disponível na Plataforma Sucupira. A intenção é permitir uma leitura clara das capacidades instaladas em cada região e das lacunas que ainda precisam ser preenchidas.

É nesse ponto que a equipe de pesquisadores do ICMC colabora com o projeto. Convidada pela UFMS, ela é formada pelos professores Solange Rezende, Diego Furtado, Adenilson Simão e Ricardo Marcacini, que é o coordenador técnico do projeto. A equipe assumiu a responsabilidade, com outros pesquisadores da UFMS, de desenvolver soluções inovadoras de inteligência artificial (IA) para o Observatório. A tarefa inicial envolveu analisar mais de 90 mil teses e dissertações e cerca de 1 milhão de itens de produção intelectual, cruzando esse conteúdo com os 470 temas estratégicos definidos pelos estados, considerando apenas os dados de 2023. Depois dessa fase, os modelos de IA atualizarão os dados do observatório anualmente.

De acordo com o coordenador técnico, professor Ricardo Marcacini, esse é um trabalho que exige precisão e transparência. “Estamos lidando com um volume monumental de dados. A IA permite identificar relações que seriam impossíveis de mapear manualmente, mas tudo isso só faz sentido quando há supervisão humana. Trabalhamos com modelos abertos, auditáveis e ajustados especificamente para gestão e governança de políticas públicas”, revela.

Ele explica que os temas e macrotemas da Agenda Nacional também foram tratados pela equipe, mas passaram por uma curadoria humana formada pela Comissão da Agenda Nacional. Marcacini lembra ainda que esse modo de trabalhar está totalmente alinhado com iniciativas conduzidas no ICMC, como os projetos LLM4Gov e Agents4Gov, que desenvolveram modelos de linguagem voltados ao setor público e foram reconhecidos no Latin American Symposium on Digital Government 2025.

Para a professora Solange Rezende, a combinação entre tecnologia e curadoria humana cria condições inéditas para que o país enxergue sua pós-graduação de maneira integrada. “Antes, mesmo com os dados disponíveis, não conseguiríamos responder questões que são essenciais para o planejamento das instituições e dos estados. O Observatório permite visualizar como cada território forma seus profissionais e como eles se relacionam com os desafios reais e oportunidades”, afirma.

O impacto dos primeiros resultados

Os primeiros resultados ajudam a dimensionar o potencial do projeto. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, 1.387 mestres e doutores foram titulados em 2023. Desses, 524 atuaram em temas estratégicos identificados pelo Estado, com destaque para biodiversidade e recursos naturais. Os números também mostram que 55% dos titulados desse macrotema são mulheres, distribuídas em 26 programas de pós-graduação. Em São Paulo, na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), 675 dos 1.101 titulados do mesmo ano foram mapeados em temas da Agenda paulista, especialmente educação de qualidade com equidade, área que reúne 193 egressos de 24 programas distintos.

De acordo com Alice Souto Maior, esses recortes colaboram para tomadas de decisão mais qualificadas dos gestores estaduais, reitores, fundações estaduais de amparo à pesquisa e secretarias estaduais. “Os dados mostram onde existe capacidade instalada da pós-graduação brasileira, onde há lacunas e onde podem surgir parcerias entre regiões. Também apontam caminhos para políticas de indução, novos programas e ações que dialoguem diretamente com as necessidades do país”, diz.

Para os próximos anos, o desafio é ainda maior. O Observatório pretende avançar para analisar a viabilidade de um mapeamento sobre o destino profissional dos egressos, identificando onde trabalham, em que áreas atuam e se essa atuação se relaciona com as prioridades definidas pelos estados. “Mas hoje não existe, de forma estruturada, centralizada e atualizada, informações sobre a trajetória dos egressos, o que torna essa etapa do projeto naturalmente mais complexa”, contextualiza o professor Marcacini.

Para Turine, a Agenda e o Observatório constituem uma oportunidade singular para repensar a pós-graduação brasileira com base em evidências qualificadas. “Estamos construindo uma Agenda Nacional viva, que integra ciência, território e futuro. Tenho plena convicção de que ela será capaz de orientar decisões, fortalecer o Sistema Nacional de Pós-Graduação e inspirar cada estudante, cada pesquisadora, cada professor e cada gestora ou gestor público a responder com precisão e sensibilidade às demandas territoriais”, finaliza. (Gabriele Maciel, da Fontes Comunicação Científica)

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