Pesquisadora diz que momento de mutação política
Em entrevista ao Primeira Página, a cientista social e professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Vera Cepeda, se diz surpresa com alguns aspectos das manifestações que têm acontecido em várias cidades do país.
Reconhecendo a complexidade dos eventos, ela ofereceu à reportagem duas respostas: uma delas a que chamou de “canônica” ou “clássica”, e uma que disse ser uma avaliação pessoal da situação.
“Do ponto de vista canônico”, ela explica, “o que está acontecendo não e um movimento social”. E isso porque, segundo a cientista social, o que faz um desses movimentos não é apenas a dimensão que alcançam, e sim a plataforma, o projeto: “Algo que dê mais organicidade às ações”, afirmou.
Na avaliação pessoal que faz das recentes ações, ela explica que tenderia a interpretá-las como “picos de movimentação social”. Questionada se isso poderia ser interpretado como uma saída da inércia, ela disse:
“Uma avaliação que acho que pode ser muito positiva do que estaria acontecendo neste momento é o seguinte: nós temos uma trajetória na vida pública brasileira que está aprendendo a lidar com formas muito radicais de democracia”.
Ela afirma que a democracia não é apenas um processo eleitoral. Para a pesquisadora, a democracia tem um formato expansivo: “Que tem a ver com a questão do espaço público, da esfera pública, com a construção de outras arenas nas quais os atores se sentem portadores de direitos, de voz política, capazes de interferirem em processos de decisão”, explicou.
Para ela, nos últimos vinte anos a democracia brasileira está transbordando o fenômeno eleitoral e atingindo outras dimensões. Assinala que isso é positivo em duas direções: primeiro em razão do que chama de “transbordamento de vitalidade política”, segundo por estar experimentando as redes sociais.
Sobre essas redes, ela afirma: “Elas são muito fortes, muitos circunstanciais e muito plurais. Por que será que os analistas não conseguem dizer se o movimento é do bem ou do mal? Porque tem de tudo: gente que foi arrastada como se o movimento fosse uma ola; mas tem gente que tem convicção e tem os que apelam para o vandalismo. Mas o que acontece no médio e no longo prazo?”, ela questiona.
E do mesmo jeito que essa onda veio, afirma a pesquisadora, ela pode retroagir, ficando a memória do poder das redes: “Mas eu tenho uma percepção: nós estamos em um momento histórico de mutação do campo político”.