Sequelas da Covid-19 podem persistir por longo prazo após infecção
Médico especialista em geriatria alerta que é preciso conhecer enfermidade e suas consequências
Pouco mais de um ano depois do surgimento dos primeiros casos de Covid-19, cientistas ainda tentam entender os efeitos da doença sobre o corpo e por quanto tempo eles podem durar.
Uma pesquisa publicada na última semana no periódico médico Jama Network mostrou que 30% dos participantes ainda relatavam sintomas um ano após contrair o vírus. A maior parte dos indivíduos acompanhados pelo estudo tiveram casos leves da doença.
Segundo o estudo, pacientes com infecções mais graves vão apresentar mais sequelas, a relação é proporcional. Mas isso não quer dizer que pacientes com infecções moderadas não apresentem.
O médico especialista em geriatria e coordenador técnico-científico da ABRAz (Associação Brasileira de Alzheimer) em São Carlos (SP), Gustavo Munno, afirmou que pacientes que ficam internados em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) por um período mais prolongado aumentam a probabilidade de apresentar sequelas. “Duas entidades clínicas conhecidas na literatura médica são muito frequentes em pacientes que pegaram Covid-19 e ficaram internados com terapia intensiva”.
Munno explicou que os problemas acontecem na fase inflamatória da infecção. “Um deles é a Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIE) na qual o corpo fica completamente infeccionado e gera uma tempestade de citosina, que é uma substância que propaga a inflamação. Esta situação gera a Coagulação Intravascular Disseminada (CIVP) que é uma disfunção no sistema de coagulação”.
“O paciente fica propenso a formar coágulos que pode levar ao entupimento de uma veia ou uma artéria que pode levar a um Acidente Vascular Cerebral (AVC), se for no cérebro, ou ainda um infarto, se for em uma artéria do coração ou uma trombose se acontece nas pernas os nos braços”.
Uma outra situação que acontece como resposta à Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica é a polineuropatia do doente crítico. Grosso modo, as células nervosas e os neurônios do paciente param de funcionar e leva a um déficit de força muscular. “O paciente fica sem conseguir se mexer por um período. É uma situação reversível, porém a retomada não é rápida e necessita de tratamento após o período de internação”.
Segundo Munno, a literatura médica indica que após um ano da infecção os pacientes ainda apresentam sequelas da doença. “Ele sai da UTI, mas irá precisar de cuidados por um longo período, além de perder a funcionalidade básica de vida social e de trabalho”.
PESQUISA – O estudo publicado no Jama Network avalia pacientes pós-Covid que foram submetidos a tomografias cardíacas. Dentre esses, um terço havia sido hospitalizado; o restante recebeu atendimento em pronto-socorro ou se tratou em casa e 78% deles tinham alguma sequela no coração.
Heron Rached, coordenador do Centro de Cardiologia e do Centro de Tratamento Pós-Covid do Grupo Leforte, conta que vê um paralelo entre a gravidade da infecção e as sequelas deixadas “O importante que esse estudo mostra é que, mesmo que esses pacientes não sintam nenhuma manifestação clínica dessa alteração, existe uma sequela que não foi documentada. Precisamos ver como esses efeitos vão evoluir daqui a cinco, dez, quinze anos”, diz.
Para ele, haverá um aumento de doenças associadas a esses efeitos no futuro. “Vai ser difícil atribuir a sequela à Covid, porque não temos como isolar e dizer que foi o vírus. Mas a prevalência de insuficiências renais, cardíacas, arritmias e infartos vai aumentar como resultado da pandemia”, afirmou.
O administrador de empresa Ricardo Formici, 27 anos, contou que após ter a Covid-19 já teve três crises renais graves e a primeira ainda durante a quarentena da doença. “O médico plantonista que me atendeu na UPA do bairro Santa Felícia, em São Carlos, afirmou que era sequela da Covid-19, por conta da desidratação que a doença me causou. A última crise foi na quinta-feira passada. Pensando que começou em outubro, tem uma regularidade grande”.
Alvo
Ciência ainda está focada em como parar transmissão do coronavírus
Para o médico especialista e geriatria, Gustavo Munno, os estudos ainda buscam mecanismos de parar a contaminação. “Quando isto estiver resolvido, poderemos ter tempo para estudar as outras consequências que a Covid-19 vem apresentando. Este é o gargalo. Temos de fazer o vírus parar de transmitir”, afirmou.
Segundo o médico, as medidas que estão sendo tomadas como uso de máscara facial, higienização das mãos e o distanciamento social são válidas, contudo não são só esses fatores que influenciam o contágio. A ciência precisa de criar protocolos que sejam comprovados e bem estabelecidos para a contenção da doença.
“Há uma dificuldade prática em fazer estes estudos. Muitos protocolos hoje aplicados vêm de experiências empíricas. Como fazer este estudo? Não podemos contaminar uma população para estudar o comportamento do vírus. Isto não é aceitável eticamente”.
Portanto, explicou Munno, a ciência está focada em diminuir o impacto da infecção e em parar o contágio.