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Variações climáticas desafiam ciência

Silvio Crestana explica que os estresses hídrico, térmico e biótico impõem ao ser humano uma adaptação ao novo sistema climático

08/09/2024 00h55 - Atualizado há 1 mês Publicado por: Redação
Variações climáticas desafiam ciência FOTO:  O pesquisador Silvio Crestana: “ferramentas existem, mas o tempo para se gerar uma nova variedade de planta que consiga tolerar os impactos climáticos é algo que mesmo usando toda a ciência, não é rápido” Foto: Divulgação

Marco Rogério

As variações climáticas, com fenômenos extremos em várias partes do planeta são o novo desafio que a ciência se prepara para enfrentar. Estes eventos extremos podem causar muitos danos principalmente econômicos, que vão desde o encarecimento dos alimentos com queda na produção até a destruição total de cidades e até de um Estado, como no Rio Grande do Sul este ano. O físico, pesquisador e ex-presidente da Embrapa, Silvio Crestana, afirma que os estresses hídrico, térmico e biótico estão gerando novos desafios para a ciência e ameaçam o Brasil e seu agronegócio. Dentro desta realidade, ele fala em um “novo normal climático” e alerta para dificuldades nos próximos anos.

“Os chamados eventos extremos são períodos com muita chuva ou com muita seca. Tem dias que a temperatura varia entre 17 e 34 graus. A temperatura praticamente dobra em apenas um dia. Chamamos esta variação de amplitude térmica. Eu fico me perguntando: como um animal ou uma planta pode sobreviver com esta variação climática, saber quando é calor e quando é frio, que o verão está chegando ou acabando. Essa nova condição climática está gerando uma perda de produção no Brasil e também uma perda de produtividade”, explica Crestana.

Assim, o preço da cesta básica do brasileiro foi diretamente afetado.  “O grande desafio que existe, tanto na produção, quanto na pesquisa, é tentar manter a produtividade sob estas condições climáticas que são desfavoráveis. Não há ainda uma solução para isso. É importante também dizer que sempre houve nos últimos 30 anos um relação muito positiva entre aumento da produtividade da lavoura, quando você produz na mesma área. Assim, se produz, na mesma área mais grãos ou mais carne por hectare, metro quadrado e etc. Era assim que conseguíamos viver uma redução do preço da cesta básica. A partir de 2016, já há sinais de que o custo da cesta básica para de cair. Este custo fica congelado durante um tempo e agora mostra tendências de alta. Então são duas coisas fundamentais no impacto das mudanças climáticas. Um é a perda de produtividade e produção. Como exemplo, este ano o Brasil não bateu o recorde de produção como vinha batendo nos últimos 20 anos. Este ano não. Este ano a produção será mais baixa. O outro aspecto é o aumento do custo da cesta básica, que pega o consumidor. Então, são duas coisas, uma o produtor e a outra o consumidor, lembrando que ambos são afetados”, destaca ele.

Crestana reflete que não cabe mais falarmos prioritariamente em “mitigação”, mas sim da “adaptação” a um novo sistema climático. “Estamos vivendo um momento importante, com uma mudança importante na forma como a gente observa a natureza e o clima. Todos os recursos que estavam sendo gastos, visando a mitigação, como conviver como os gases do efeito estufa, como melhorar a eficiência da água e da energia, combater pragas e doenças, tudo isso que faz parte da agricultura, estava sendo visto como um desafio para 2030, 2040 e 2050. Então se falava em mitigação. Mas, infelizmente, os fenômenos climáticos extremos já apareceram aqui no Brasil e no mundo na safra de 2022 e 2023. Isso significa que temos uma mudança de paradigma importante e que precisa ser observada. Deixou de ser um problema de mitigação dos gases de efeito estufa para ser uma adaptação. Como vamos nos adaptar a estas condições? Existia uma série histórica, onde analisamos dados de 20 a 30 anos. Havia uma certa estabilidade no clima, na Primavera, no Verão. Quando começava a chover, quando parava de chover, quando fazia frio e quando fazia calor. Isso, aparentemente, está desaparecendo. Agora teremos que conviver com outra situação. O grande desafio hoje é adaptação. Não está decidido, não, se vamos chegar a 2030 bem, a caminhar como estamos”.

Crestana explica que a agropecuária enfrenta hoje três tipos de estresse. “Existem três tipos de estresse. O que a gente chama de estresse? É quando um animal ou uma pessoa está sob pressão, está havendo uma perturbação do estado normal dela. Tanto que está se falando em um ‘novo normal’, como ocorreu na pandemia. Não há mais o ‘normal antigo’, agora está acontecendo isso com a agricultura, a fome, a miséria, a insegurança alimentar. Tem diminuído no Brasil, mas continua. Temos isso mais grave nos países em desenvolvimento mais pobres e tropicais”.

Segundo ele, os três estresses são fundamentais para avaliarmos a questão agrícola. “Este tema está me tencionando muito, pois sei onde estão os limites da ciência. O primeiro é estresse hídrico. É o excesso de água, como ocorreu no Rio Grande do Sul, uma verdadeira inundação quase do estado inteiro, ou como estamos vendo no Acre, no Amazonas. O Rio Amazonas baixou e está decretado urgência e emergência durante a seca. São condições contrastantes no mesmo ano. Se tiver água disponível e energia. Precisamos de energia e água. Isso não está tão difícil de se buscar soluções”, comenta.

O outro estresse, de acordo com o pesquisador, é o estresse térmico, com variações de temperatura e a quantidade de radiação solar que tem aumentado, inclusive o raio ultravioleta. “E você tem ainda a velocidade dos ventos, que tem mudado e a umidade do ar. Tudo isso faz parte do estresse térmico. A planta então para de fazer a fotossíntese, que é a transformação da energia do sol em biomassa. Ela interrompe este processo para ficar transpirando, devido ao calor. O Calor fica muito forte e ela tenta reduzir a temperatura na folha. Ela vai transpirando jogando toda a água para a atmosfera. Que vai cair de novo em forma de tempestade e chuvas torrenciais, que são as tempestades, porque é muita água que se evapora rapidamente. Este é para mim o maior problema. Nós não sabemos e o mundo inteiro não sabe como manejar em uma área aberta. Claro que numa área controlada, como uma estufa, uma casa de vegetação, dá para fazer isso. Você controla a temperatura e umidade, mesmo tendo um custo maior que vai aumentar o custo na ponta para o consumidor. Mas você tem como fazer. Mas imagine soja, milho, algodão, animal no pasto. Como é que faz?”.

Por fim, o terceiro estresse é o biótico, que são pragas e doenças. “Quando você está com seu sistema imunológico debilitado, aquela comunidade de microrganismos envolvidos com a gente, que vivem com a gente, que estão no equilíbrio, saem do equilíbrio e passam a te atacar,  e isso pode te levar à pneumonia e até à morte. Então, este é um problema que tem aumentado muito, levando produtores a utilizar muito mais pesticida ou bioinsumos que é outra linha está surgindo, mas ainda está na infância, que não tem solução para todas as situações. Isso se deve aos dois estresses anteriores, aumentando pragas e doenças”, afirma.

Apesar de tudo, Crestana aposta na ciência para o enfrentamento dos novos desafios. “Nós temos que acreditar na ciência que vai nos ajudar a resolver estas coisas. Tem meteorologista dizendo que estamos saindo do El Nino, com muita chuva no Sul e seca no Norte e poderemos engatar no La Nina, que é o contrário, muita seca no Sul e muita chuva no Norte. Então, se isso acontecer, será desastroso e não teremos o que fazer.  Se os eventos extremos acontecerem lentamente, ou seja, acima de cinco anos teremos soluções.  Mas se for em tempo menor que cinco anos não dá para a fazer grande coisa. Cinco anos dá para remediar. E dez anos é um tempo em que teremos uma planta com uma nova variedade, um animal adaptado, dá para utilizar recursos de inteligência artificial, recursos de automação, a agricultura de precisão e etc. Então, ferramenta existe, mas o tempo para se gerar uma nova variedade de planta que consiga tolerar os impactos climáticos é algo que mesmo usando toda a ciência, não é rápido. Vimos na Covid que em menos de um ano se conseguiu a chegar a uma vacina. Mas isso é totalmente fora do normal. Normalmente se levaria 10 anos. Mas se colocaram grandes empresas, muito dinheiro e uma ação forte dos governos. Houve uma mobilização muito grande da ciência e a Covid é um vírus. As pesquisas feitas para combater a AIDS ajudaram, muito neste processo e se conseguiu virar o jogo rapidamente”.

 

 

 

 “Vimos na Covid que em menos de um ano se conseguiu chegar a uma vacina. Mas isso é totalmente fora do normal. Normalmente se levaria 10 anos”

 

 “Eu fico me perguntando: como um animal ou uma planta pode sobreviver com esta variação climática, saber quando é calor e quando é frio, que o verão está chegando ou acabando”

 

“O grande desafio que existe, tanto na produção, quanto na pesquisa, é tentar manter a produtividade sob estas condições climáticas que são desfavoráveis. Não há ainda uma solução para isso”

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