Criando expectativa e suspense
A arte cinematográfica celebrizou-se também pela capacidade de criar suspense e conseguir monopolizar a atenção do espectador. Hitchcock é mestre conhecido no ramo. A música clássica também faz parceria. O tum-tum-tum-tum inicial da 5ª sinfonia de Beethoven é uma boa referência. E a literatura está recheada de exemplos. Sempre me vem à mente a cena com que Machado de Assis inicia seu conto “A causa secreta”: “Garcia, em pé, mirava e estalava as unhas;Fortunato, na cadeira de balanço, olhava para o teto; Maria Luíza, perto da janela, concluía um trabalho de agulha. Havia já cinco minutos que nenhum deles dizia nada.” Esse trecho antecipa uma situação da parte final da narrativa. No leitor, a dispersão de atitudes dos três personagens cria uma expectativa que o leva a continuar a leitura para desvendar a causa.
O jornalista Ruy Castro é também habilidoso em provocar o interesse do leitor, como o faz neste início de seu artigo:” “Aconteceu na praia do Arpoador, no último fim de semana. Mas poderia ter sido em qualquer praia ou fim de semana. Junto à pedra de onde os turistas aplaudem o pôr do sol, PMs desconfiaram do figurino de um garoto. Quando o revistaram, deram com um celular – que, na delegacia, ele admitiu ter roubado dias antes.” Ele inicia com uma frase em que só aparece o predicado. Na verdade , o sujeito não aparece depois: o autor vai circunstanciando a ocorrência , a ponto de o leitor imaginá-lo expresso pela palavra “fato”. Mesmo que ele explicitasse (“Aconteceu um fato na praia do Arpoador…”), o seu significado abstrato continuaria atraindo o olhar do leitor para algo concreto.
O potencial da língua para convocar o interesse do leitor é muito mais amplo. Aqui ficam apenas esses exemplos.
(*) O autor é professor de português e revisor de textos. [email protected] – [email protected]