Festival do Rio termina em clima de emoção
Morto na última terça-feira,
17, aos 93 anos, em decorrência de uma infecção renal, o fotógrafo brasileiro
de origem portuguesa Fernando Lemos é imediatamente associado a um autorretrato
literalmente explosivo, feito em 1949, que mostra o artista em meio a uma nuvem
da qual emerge uma explosão de objetos como a carta do enforcado do tarô, a
lâmina de uma faca e uma lâmpada. Com 23 anos, na época, Lemos era o mais novo
representante do movimento surrealista em sua cidade natal, Lisboa, passagem
que introduz o visitante da exposição Mais a Mais ou Menos (até 26 de janeiro,
no Sesc Bom Retiro) ao universo multifacetado do fotógrafo, que também foi
poeta, desenhista, pintor, designer e artista gráfico.
Em 86 obras espalhadas pela mostra, que tem como
curadora a arquiteta e fotógrafa Rosely Nakagawa, é possível ter uma visão
quase completa desse intelectual festejado por amigos poetas, entre eles Jorge
de Sena, Hilda Hilst e Sophia de Mello Breyner, além de Manuel Bandeira, autor
do texto de apresentação de sua primeira exposição no Brasil, em 1953, no Museu
de Arte Moderna do Rio, quando aqui fixou residência.
Vindo de uma experiência traumática durante a
ditadura salazarista, perseguido pela temível Pide, a polícia política de
Salazar, Lemos mudou-se para São Paulo logo depois da exposição no MAM,
integrando-se tão bem à cidade que logo participou da montagem da histórica
exposição do 4.º Centenário, representando Portugal, no mesmo ano (1954), na
segunda edição da Bienal, da qual se tornaria habitué – ele ganhou o prêmio de
melhor desenhista na quarta, em 1957, recebeu outro prêmio (Aquisição) na
quinta edição (1959) e ganhou sala especial na oitava (1965)
Como se não fosse suficiente, ainda nos anos
1960 se aventurou no cinema, assinando a direção de fotografia do único longa
realizado pelo diretor teatral Antunes Filho (1929-2019), Compasso de Espera
(1969), que teve, de fato, de esperar quatro anos para ser liberado pelo
serviço de Censura da ditadura militar – que não gostou da denúncia de racismo
e do impossível trânsito interclassista na sociedade brasileira (o filme trata
do relacionamento de um negro de origem pobre que se relaciona com uma branca
de família aristocrática).
Discriminação, aliás, era uma palavra que Lemos
conhecia bem. Criança pobre, vítima da poliomielite, acompanhava o pai
marceneiro quando ia instalar móveis em casas de famílias lisboetas da classe
média. Exemplo de superação, começou a trabalhar, ainda adolescente, numa
litografia. Mais tarde criou desenhos de rótulos para uma agência de
publicidade e, em 1949, comprou uma câmera Flexaret e virou retratista – de
parentes e amigos, passando a experimentar processos gráficos e com ele
construindo suas primeiras imagens surrealistas (há fotos dessa época na mostra
do Sesc Bom Retiro), que transitam entre o desenho e a fotografia, evocando o
húngaro Kertész e outros mestres.
Lemos foi ilustrador do Suplemento Literário do
jornal O Estado de S. Paulo nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, ele
que escapara do salazarismo em 1953. Força de hábito, ele participou de
campanhas, protestos, fez parte de associações e redigiu manifestos, além de
ter dado aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Como poeta, ganhou a atenção do escritor
contemporâneo português Valter Hugo Mãe, que coordenou este ano uma nova edição
dos poemas do artista com base em Teclado Universal, seu livro de 1953. Suas
fotos surrealistas foram redescobertas em 1994 por Jorge Molder e expostas na
Fundação Calouste Gulbenkian, no Centro de Fotografia do Porto e em Paris.
SERVIÇO
FERNANDO LEMOS: MAIS A MAIS OU MENOS. SESC
BOM RETIRO. AL. NOTHMAN, 185, TEL. 3332-3600. 3ª/6ª, 9H/21H. SÁB., 10H/21H. DOM
, 10H/18H. GRÁTIS. ATÉ 26/1/2020.