Theatro Municipal celebra centenário de sua primeira bailarina negra
Mercedes Baptista é apontada como criadora da dança afro-brasileira
Em transmissão online ao vivo, na noite desta última quinta-feira (20), o Theatro Municipal do Rio de Janeiro comemorou o centenário de nascimento de Mercedes Baptista, primeira bailarina negra de seu corpo de baile. O evento foi transmitido na página do Municipal no Instagram.
Durante o programa, o professor e pesquisador da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa do teatro, Paulo Melgaço, autor da biografia de Mercedes Baptista, foi conversar com Wagner Gonçalves, carnavalesco e artista plástico que homenageou a bailarina em 2008 com o enredo Mercedes Baptista, de Passo a Passo, um Passo, com a Escola de Samba Acadêmicos do Cubango, do Grupo de Acesso.
Mercedes ingressou na Escola de Danças Clássicas do Municipal nos idos de 1940, mas somente em 1948 entrou profissionalmente para o corpo de baile do teatro. Sentiu na pele o preconceito e a discriminação racial em diversos momentos, inclusive no próprio teatro, quando não foi avisada da última prova prática para ingressar no corpo de baile, por ser uma mulher negra. Ela, entretanto, descobriu a tempo a data da prova, mas precisou realizar a seleção junto com os bailarinos do sexo masculino para concorrer e ganhar um lugar no elenco.
Falando, Paulo Melgaço revelou que Mercedes Baptista teve grande importância também para a luta contra o racismo no Brasil. “Ela buscou enfrentar a questão do negro na sociedade, no espaço do negro no Municipal que, na verdade, sempre foi uma instituição branca, para a elite”.
Em termos de dança, Mercedes é importante porque, além do balé clássico, ela foi a criadora da dança afrobrasileira, efetuando a fusão da cultura negra com a cultura popular. Pesquisou o ritmo dos orixás e os movimentos do candomblé e criou, em 1953, o Ballet Folclórico Mercedes Baptista, que apresentou um novo mundo profissional para muitos negros no país. Em 1958, a companhia passou a fazer shows no exterior.
Carnaval
A bailarina Mercedes Baptista participou também trabalhos de shows do teatro de revista e, no carnaval, sua outra grande paixão, foi considerada a precursora das alas de passos marcados nos desfiles das escolas de samba. Ela estreou na avenida em 1960, na Escola de Samba Salgueiro, quando coreografou Quilombo dos Palmares, a convite de Fernando Pamplona. O maior sucesso nesta agremiação, porém, ocorreu no carnaval de 1963, quando coreografou o minueto para o desfile Xica da Silva. Naquele ano, o Salgueiro foi a grande campeã do carnaval.
Além do Salgueiro, coreografou e desfilou em diversas escolas, como Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinense, entre outras. Em 2008, a Escola de Samba Acadêmicos do Cubango mostrou o enredo Mercedes Baptista, de Passo a Passo, um Passo, do carnavalesco Wagner Gonçalves. A última vez que desfilou no Sambódromo foi em 2009, como destaque da Escola de Samba Vila Isabel, que homenageava o centenário do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
”Na verdade, o nome de Mercedes Baptista na dança figura quase em todas as linguagens, do clássico ao popular”, enfatizou Paulo Melgaço. O nome de Mercedes tem uma representatividade muito forte para as meninas negras porque “ela é uma referência, é um indicativo da importância de lutar para romper espaços, para romper barreiras, de não acreditar nos nãos”, acrescentou.
Carreira
Mercedes Baptista nasceu em Campos dos Goytacazes, norte fluminense. Filha de João Baptista Ribeiro e Maria Ignácia da Silva, Mercedes foi com a mãe, que era costureira, para a capital. Grande amiga da filha, Maria Ignácia começou a trabalhar como empregada doméstica no bairro do Grajaú, zona norte do Rio de Janeiro, para que a menina pudesse ter uma vida melhor. Pouco se sabe sobre o pai.
Para ajudar a mãe, Mercedes trabalhou em uma gráfica, em uma fábrica de chapéus e foi bilheteira de cinema, local onde descobriu que sua vocação era ser bailarina.
Teve as primeiras aulas com a professora Eros Volúsia, bailarina do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e pesquisadora da cultura e do folclore nacionais. Logo, a garota talentosa apresentou uma coreografia ao lado do bailarino Octacílio Rodrigues. Fez tanto sucesso que foi destaque no jornal O Globo da época.
Já na Escola de Dança do Theatro Municipal, teve aulas com o estoniano Yuco Lindberg e o tcheco Vaslav Veltchek. O mestre Yuco viu o potencial da nova aluna e conseguiu ajudá-la, inclusive coreografando para ela o balé Iracema, no papel da índia Ceci, do romance de José de Alencar.
Concurso
O concurso Rainha das Mulatas, promovido pelo Teatro Experimental Negro, que tinha como fundador o ativista Abdias Nascimento, acabou aproximando os dois porque, em 1948, a bailarina foi eleita a mais bela mulata.
Durante o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, em 1950, Mercedes foi selecionada pela coreógrafa e antropóloga afro-americana Katherine Dunham para estudar na Duham School of Dance, em Nova York.
Depois que retornou ao Brasil, Mercedes começou a trabalhar com um grupo de jovens negros, com pouco poder aquisitivo, e desenvolveu uma técnica específica para dança afro. Mercedes Baptista foi casada durante 50 anos com Paulo Krieger, que faleceu em 2002. Com o marido, teve um filho em 1966, morto de tétano neonatal, conhecido como “mal dos sete dias”. Dizia que seus quatro grandes companheiros eram o marido, a mãe e duas ex-alunas que cuidavam dela: Jandira Lima e Ruth de Souza. Mercedes Baptista morreu em 18 de agosto de 2014, aos 93 anos de idade.
A segunda edição da biografia Mercedes Baptista, a Criação da Identidade Negra na Dança, de Paulo Melgaço, deve ser lançada em novembro deste ano. A primeira edição, publicada em 2007, está esgotada.