Classe C empurra o crescimento econômico
A história de sucesso das nações hoje desenvolvidas possui um traço comum e inequívoco: a ascensão política e econômica da classe média. Essa evolução foi primeiro observada na Europa, onde sociedades estratificadas e sem mobilidade deram lugar a países dinâmicos após a irrupção do capitalismo. Esse fenômeno chegou tardiamente ao Brasil e nunca fincou raízes sólidas e duradouras. Houve fases de rápido crescimento, como na industrialização do início do século passado ou no milagre econômico dos anos 1970. Mais recentemente, o país chegou a vislumbrar um salto rumo ao desenvolvimento com o Plano Cruzado. Mas, em todos esses casos, o aumento no padrão de vida dos mais pobres foi transitório e abortado pouco depois por crises econômicas.
Agora, com a retomada do crescimento econômico, o país volta a se ver diante da oportunidade de romper, de maneira definitiva, com o subdesenvolvimento. Nos dois últimos anos, mais de 20 milhões de brasileiros saíram das camadas sociais mais baixas – as chamadas classes D e E – e alcançaram a classe C, a porta de entrada para a sociedade de consumo.
Trata-se da mais recente evidência de que o país tem conseguido, enfim, reduzir a sua população de miseráveis, ao mesmo tempo em que começa a formar uma sociedade de consumo de massa.
Outras pesquisas e estudos, com metodologias distintas, já haviam detectado esse avanço, que nada mais é senão a recompensa ao ciclo de reformas e ajustes econômicos feitos pelo país desde o Plano Real, sobretudo o combate à inflação.
É como se, nesse curto espaço de tempo, dois Portugais inteiros tivessem saído da pobreza no Brasil. O resultado disso é que, em um fato inédito na história recente, a classe C é hoje o estrato social mais numeroso do país. Segundo o estudo Observador 2010, são 86,2 milhões de pessoas, o equivalente a 46% da população brasileira (em 2005, a participação delas era de 34%). Já as faixas D e E, que representavam 51% da população em 2005, agora tiveram sua fatia diminuída para 39%.
Se a emergência da classe C é um processo sustentável, só o tempo dirá. Para o filósofo Roberto Romano, da Unicamp,”um país em que a classe média diminua está fadado à estagnação social e econômica. O desafio agora será integrar essa massa populacional à produção de bens e serviços mais elaborados, com investimento em educação técnica, para que esse fenômeno não seja passageiro”.
O mesmo pensamento é compartilhado pelo cientista político Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “O aumento do poder de consumo nas classes mais baixas, associado à estabilidade da economia, trouxe uma nova dinâmica social e resultou numa situação inédita de redistribuição de renda”, diz.
O sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) descreveu as pessoas excluídas do mercado de consumo como os “negativamente privilegiados”, cuja subsistência dependia do estado.
É desse lamaçal econômico que conseguiram escapar 20 milhões de brasileiros que migraram das classes D e E para a C nos últimos dois anos. Com o recém-adquirido acesso ao consumo e à informação, espera-se que esses brasileiros cortem o cordão umbilical que os liga ao estado. Que se tornem, enfim, cidadãos autônomos.