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Antigos “escravos” constroem estádio em Cuiabá

21/02/2012 18h23 - Atualizado há 13 anos Publicado por: Redação
Antigos “escravos” constroem estádio em Cuiabá

Nivaldo Inácio da Silva tem uma palavra para descrever como é se levantar às 6h, colocar um capacete e suportar um calor sufocante no local da construção de um dos estádios da Copa do Mundo de 2014: “Liberdade”.

 

Ele é um dos 25 homens que, em seus empregos anteriores, trabalhavam em condições classificadas pelo governo brasileiro como trabalho escravo.

Agora eles estão ajudando a erguer o estádio de Cuiabá, capital do Mato Grosso, como parte de um programa patrocinado pelo Estado que habilita ex-“escravos” a ofícios como carpintaria e ajuda a inseri-los no mercado de trabalho regularizado.

Como muitos deles, Nivaldo disse ter sido iludido ao aceitar um emprego em uma fazenda e depois forçado a coletar algodão sete dias por semana, do raiar ao pôr do sol, em troca de um salário que jamais recebeu. Ele tinha que saquear ou caçar para se alimentar, e disse que não conseguia escapar por causa do isolamento da fazenda, só saindo depois que um colega conseguiu fugir e alertar as autoridades.

Agora, ele e os outros trabalhadores dizem ter orgulho de estar no centro dos preparativos do Brasil para o Mundial de futebol.

“Estou feliz. Tenho liberdade para fazer o que quero agora”, disse Nivaldo, de 44 anos, que mora com colegas em abrigos temporários no local fornecido pela empreiteira -e tem os finais de semana livres.

“Antes a gente tinha que dormir na floresta. Agora temos um bom horário de trabalho, comida boa. Não há nada do que reclamar, porque tudo melhorou nas nossas vidas.”

A história de como Nivaldo e os outros chegaram ao local da construção têm sua origem nos desafios econômicos do Brasil, do passado e do presente.

O país importou mais escravos africanos que qualquer país das Américas, principalmente para a lavoura de cana-de-açúcar. Embora a escravidão tenha sido abolida em 1888, ainda há bolsões pelo país, especialmente em fazendas e em áreas onde a floresta amazônica está sendo devastada, e as condições de trabalho são assustadoramente semelhantes às daquelas do século dezenove.

Mesmo em São Paulo, maior e mais moderna cidade do país, autoridades com frequência descobrem trabalhadores em condições similares à escravidão em oficinas de costura.

Mais de 2.600 pessoas foram “resgatadas” do trabalho escravo em 2010, segundo o Ministério do Trabalho. O governo brasileiro fez da questão uma prioridade na última década e ampliou a definição de escravidão em 2003 para incluir tanto o trabalho forçado quanto as condições de trabalho degradantes -uma definição mais abrangente do que a de muitos países, segundo a Organização Internacional do Trabalho.

Programas de governo como o do estádio de Cuiabá, que incluiu seis meses de treinamento no local, são fundamentais para garantir que a escravidão desapareça de vez no Brasil, disse o superintendente do Ministério do Trabalho em Mato Grosso, Valdiney Arruda.

“O maior desafio com frequência é provar a estas pessoas que são capazes”, afirmou Arruda. “Como se deixa para trás uma vida toda em apenas seis meses? Não é fácil, mas eles estão conseguindo.”

 

“AGORA TENHO UM EMPREGO”

Quando chegaram ao local do estádio em abril do ano passado, todos eram analfabetos, disse Simone Ponce, porta-voz do consórcio responsável pela obra. Muitos não estavam acostumados a seguir sequer instruções básicas, e penaram no início quando professores tentaram lhes ensinar desde leitura até técnicas de construção e como administrar seu dinheiro.

“Alguns ficaram frustrados e começaram a dizer coisas como ‘prestar serviço estava bom para mim’, e outros estavam simplesmente assustados porque nunca tinham sido bem tratados por um empregador.”

Ainda assim, persistiram. Dos 26 que se inscreveram no programa, só um desistiu e voltou para casa.

Os trabalhadores dizem ter percebido rapidamente o valor do que estavam aprendendo. Durval Fernandes da Silva, de 38 anos, disse ser um de 20 irmãos e afirmou nunca ter tido a chance de ir à escola.

“Tudo que fiz (antes) foi cortar cana”, declarou. “Agora tenho um emprego. Aprendi muito e aprendo mais a cada dia.”

O programa tem sido igualmente útil para empresas.

Muitas cidades brasileiras enfrentam a falta de mão de obra resultante dos anos de crescimento econômico robusto, que afastou empregados de trabalhos pesados como no setor da construção.

O problema é tão acentuado em Cuiabá, que experimenta uma explosão de cultivo de soja, que o consórcio foi forçado a alterar seus planos usando mais peças pré-montadas na construção do estádio.

“Treinamos nós mesmos estes homens, e como resultado vimos uma qualidade melhor no trabalho”, disse Simone. “Eles são como uma família agora, então é mais provável eles ficarem do que outros. É quase como um programa de recursos humanos.”

“O que aconteceu aqui não é caridade”, disse Arruda, do Ministério do Trabalho. “É uma troca. A empresa colhe o trabalho e a sociedade colhe pessoas produtivas.”

As aulas dos trabalhadores terminaram em janeiro, e agora eles são considerados funcionários regulares em tempo integral, atuando ao lado de 600 colegas. Recebem um salário de 816 reais por mês -o mesmo valor de seus colegas e 30 por cento acima do salário mínimo nacional. Além disso, eles têm alojamento e alimentação.

Mas o aprendizado não terminou.

Simone, porta-voz do consórcio, mostra com orgulho um álbum de fotos com imagens de quando levaram Durval Fernandes a um cinema pela primeira vez em sua vida -ele teve medo da escada rolante, mas gostou do filme.

Ela disse que o consórcio ainda está tentando ensinar aos funcionários coisas básicas como ir ao dentista quando um dente dói, ao invés de simplesmente arrancá-lo.

“Mudamos as vidas de 25 pessoas, e se Deus quiser mudaremos as vidas de seus filhos”, afirmou Simone. “Temos aprendido muito com eles também.”

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