Luz contra fungos: uma abordagem inovadora contra infecções emergentes

Entrevistada: Maria Júlia de Arruda Mazzotti Marques

 

Infecções fúngicas invasivas: uma ameaça silenciosa e crescente

As infecções fúngicas invasivas representam uma séria ameaça à saúde pública mundial. Estima-se que mais de 6,5 milhões de casos ocorram anualmente, resultando em aproximadamente 3,8 milhões de mortes. Apesar da gravidade, essas doenças são frequentemente negligenciadas, principalmente pela dificuldade de diagnóstico e subnotificação, o que dificulta a compreensão real da magnitude do problema.

Mucormicose e o fungo Rhizopus oryzae — o “fungo negro”

A mucormicose é uma infecção fúngica grave e muitas vezes fatal, causada majoritariamente pelo fungo Rhizopus oryzae, responsável por cerca de 70% dos casos. Popularmente conhecido pela mídia como “fungo negro” devido à necrose e escurecimento dos tecidos infectados, esse fungo invade rapidamente tecidos do corpo, podendo afetar seios da face, cérebro, pulmões e outras regiões, causando altas taxas de mortalidade que variam entre 40% e 80%. O rápido avanço da doença, aliado à resistência aos tratamentos convencionais, torna seu controle um desafio urgente para a medicina.

Impactos do aquecimento global na disseminação das infecções fúngicas

O aquecimento global agrava o cenário das infecções fúngicas invasivas. O aumento da temperatura média e as mudanças nos padrões de umidade ampliam as condições favoráveis para a proliferação do Rhizopus oryzae e outros fungos patogênicos, possibilitando sua expansão geográfica para regiões até então poupadas. Isso aumenta o risco de novos surtos e o surgimento de casos em populações que não possuem imunidade ou infraestrutura adequada para diagnóstico e tratamento.

Estudo da inativação fotodinâmica e caracterização morfológica do Rhizopus oryzae

Sob orientação da Professora Dra Cristina Kurachi – CEPOF – INCT – IFSC – USP – Grupo de Óptica, e coorientação da Doutora Fernanda Alves, desenvolvo pesquisas voltadas à aplicação da Inativação Fotodinâmica (IFD) contra o Rhizopus oryzae. A IFD é uma técnica terapêutica inovadora que combina o uso de fotosensibilizadores — substâncias ativadas por luz específica — com a radiação luminosa para gerar espécies reativas de oxigênio, capazes de destruir células fúngicas e bacterianas de forma localizada e eficiente, sem causar danos significativos aos tecidos saudáveis. Como há poucas informações disponíveis sobre as características morfológicas desse fungo na literatura, realizamos uma análise detalhada usando técnicas avançadas de imagem, como microscopia de fluorescência confocal, em colaboração com o professor Francisco Gontijo Guimarães, e tomografia de coerência óptica (OCT), com o Dr. Luismar Barbosa Cruz Júnior. Esses estudos, feitos em biofilmes cultivados em placas e em modelos mais próximos da realidade, como biofilmes formados em ossos bovinos, auxiliam a compreender melhor a estrutura do fungo e os desafios para o tratamento.

Caracterização morfológica para compreender a resistência do fungo e aprimorar o tratamento

Uma dificuldade comum no combate a infecções fúngicas e bacterianas é a formação de biofilmes — comunidades microbianas organizadas em uma matriz protetora que conferem resistência aumentada aos tratamentos convencionais. No caso do Rhizopus oryzae, a formação de biofilmes representa uma barreira significativa para a eficácia terapêutica. Por meio da caracterização detalhada desses biofilmes com técnicas avançadas, como a microscopia confocal e OCT, podemos revelar a organização estrutural e os aspectos morfológicos que contribuem para essa resistência. Esse entendimento aprofundado é fundamental para guiar a aplicação da inativação IFD, otimizando sua ação e potencializando a redução da viabilidade fúngica. Resultados preliminares indicam que a IFD é uma abordagem promissora para superar a resistência dos biofilmes, oferecendo um caminho inovador no tratamento das infecções invasivas causadas por esse fungo.

A importância da pesquisa para o futuro da saúde pública

Com o aumento expressivo dos casos e mortes por infecções fúngicas invasivas, aliados às mudanças ambientais globais, o desenvolvimento de novas tecnologias e terapias é essencial. O aprofundamento no conhecimento do fungo Rhizopus oryzae e a inovação trazida pela inativação fotodinâmica representam passos decisivos para ampliar as opções de tratamento e melhorar o prognóstico dos pacientes. A colaboração interdisciplinar e o investimento contínuo em pesquisa são fundamentais para que a ciência esteja preparada para enfrentar essa ameaça crescente.

Fontes: Maria Júlia de Arruda Mazzotti Marques –
     

Pesquisadora CEPOF – INCT – Instituto de Física de São Carlos – IFSC – USP – Grupo de Óptica; Professoras: Dra Cristina Kurachi – CEPOF – INCT – IFSC – USP – Grupo de Óptica, e Doutora Fernanda Alves; Prof. Dr. Vanderlei Salvador Bagnato – Coordenador do CEPOF – INCT – IFSC – USP – Grupo de Óptica; Me. Kleber Jorge Savio Chicrala – Jornalismo Científico e Difusão Científica – CEPOF – INCT – IFSC – USP – Grupo de Óptica.

 

Maria Júlia de Arruda Mazzotti Marques

Pesquisadora CEPOF – INCT – Instituto de Física de São Carlos – IFSC – USP – Grupo de Óptica

Bacharel em Física Biomolecular – IFSC USP

Mestre em Ciências – IFSC USP

Doutoranda em Física Biomolecular – IFSC USP

 

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