Trotes universitários: ritos de passagem ou tradição de violência desenfreada?
Esse ritual pós-aprovação, inclui uma parte que a maioria do público não vê

Os meses de fevereiro e de março trazem, em uma cidade universitária como São Carlos, a mudança do cenário urbano. Algumas ruas principais e avenidas começam a ser populadas por universitários recém-aprovados em vestibulares pedindo por dinheiro para comemoração ou para ajudar nos materiais para os estudos.
No entanto, esse ritual pós-aprovação, inclui uma parte que a maioria do público não vê. A parte que é reservada somente aos alunos do ambiente universitário, os trotes estudantis.
Esse ritual é estabelecido como uma tradição na maioria das instituições de ensino. E para muitos, é o que estabelece o vínculo entre os veteranos (alunos mais antigos) e calouros (alunos novos da instituição de ensino).
Por um lado, pode se propor a orientar, criar vínculos e proporcionar interação e aproximação entre as pessoas que participam deste. Como é o caso de trotes solidários. Por outro, a realidade nem sempre é essa.
Há casos, todos os anos, em que os estudantes recém-chegados, são constrangidos, humilhados, coagidos, agredidos e abusados sexualmente. Sendo filmados, embebedados, alvo de preconceitos e práticas humilhantes ou violentas, que podem perdurar para além do dia do trote.
Só em 2025: na Unirp, uma estudante sofreu lesão corporal; na USP-SP alunos foram obrigados a ajoelhar, além de serem embebedados; e na Famerp, veteranos cobraram falsa taxa de matrícula aos calouros. Tudo isso, mesmo com a lei que proíbe trotes violentos desde 1999.
Mas, por que se sujeitar a tudo isso? Quando se pensa em um calouro, se está falando de uma pessoa, geralmente, entre seus 18-20 anos. Isso significa que ela ainda está em seu período de busca por pertencimento e formação identitária. E, nestes casos, recusar um trote, é mais do que apenas o “não”, significa: sofrer bullying, ser excluído socialmente da vida universitária e sofrer maiores violências (até mesmo físicas) no futuro.
Já aqueles que perpetuam essa tradição sadomasoquista de violência, geralmente também foram vítimas desse ciclo. Frases como “já apanhei, agora é a vez de vocês”, e “daqui seis anos vocês que vão bater”, são comuns.
Ilustrando que perpetuar a violência com os calouros é a chance de se vingar dos fantasmas de quem já os violentou. No entanto, não se quebra o ciclo, apenas o reforça.
É importante que se criem espaços de diálogo e que se ressignifiquem estas tradições de abuso e violência. E para isso, é importante, através da psicologia (por exemplo), a criação de espaços em que essas pessoas possam buscar por vínculos mais saudáveis com os veteranos e instituições, se integrar à vida universitária e lidar com os traumas de trotes passados e as questões que eles causaram.
Psicólogo Matheus Wada Santos (CRP 06/168009)
Psicanalista especializado em gênero e sexualidade
Redes: @psi_matheuswada
WhatsApp: (16) 99629 – 6663
Email: [email protected]