Professor Azuaite Martins de França*
A professora Rosane Maria Bobato faleceu no último dia 5 enquanto trabalhava no Colégio Estadual Santa Gemma Galgani, em Curitiba. A docente passou mal durante o expediente, chegou a ser acolhida na coordenação da escola, mas não resistiu e morreu no local. Assim como ocorreu com a professora Silvaneide Monteiro Andrade, também falecida subitamente na capital do Paraná, não se tratou de uma obra do acaso. Ambas foram vítimas de um sistema de ensino que desumaniza, oprime e adoece.
Lecionando na rede pública paranaense, profissionais dedicadas, queridas por seus alunos, as professoras perderam a vida por infartos fulminantes após episódios de intensa pressão e vigilância pedagógica.
Uma carta comovente e corajosa escrita pela filha de Rosane, Tatiane Araújo, denuncia um cotidiano que se transformou em campo de exaustão institucional: aulas assistidas semanalmente sem justificativa, cursos obrigatórios fora do horário, pressão velada, plataformas ineficazes, metas inatingíveis e um clima de constante medo e vigilância.
Um trecho de sua denúncia é contundente: “Chamavam de ‘monitoramento pedagógico’. Mas para quem está do outro lado, é vigilância, é desgaste, é tortura emocional. Aulas boas, elogiadas, perfeitas — mas ainda assim vigiadas, repetidamente. Isso não é aprimoramento. Isso é desgaste institucionalizado.”
Chamam de “inovação”. Eu chamo de pedagogia do medo. Um método que empurra os docentes ao esgotamento físico e mental, como ocorreu também com Silvaneide, vítima direta dessa engrenagem cruel e desumana.
Comentei sobre esse fato em recente artigo. E agora reitero: essas mortes não foram acidentais. Resultaram de uma metodologia perversa, deletéria, que transforma professores em peças descartáveis de uma máquina gerencial. A lógica empresarial aplicada à educação pública tem nome e sobrenome: Renato Feder, atual Secretário de Educação de São Paulo, que transplantou para nosso estado a mesma política autoritária e tecnocrática adotada no Paraná durante sua gestão como secretário da pasta.
Não podemos permitir que o estado de São Paulo trilhe esse caminho. Não podemos aceitar que professores, base de toda educação de qualidade, sejam tratados como números, monitorados como suspeitos e pressionados como se fossem inimigos do ensino. O modelo implantado no Paraná é falacioso: não melhora a aprendizagem, não acolhe os estudantes e mata os educadores — literalmente.
É hora de dizer basta. Educação não é indústria, professor não é uma peça descartável. Inovação sem humanidade é tirania. Precisamos de escuta, de valorização real, de políticas pedagógicas que respeitem a saúde mental e emocional dos profissionais da educação. Precisamos resgatar o sentido de ensinar, com dignidade e respeito.
Expresso minha solidariedade a Tatiane Araújo. Solidariedade e apoio que se fazem acompanhar de um apelo público aos educadores do Paraná e de São Paulo. Que as mortes de Rosane e Silvaneide nos mobilizem. Que não seja apenas luto, mas luta. Por uma escola pública viva, feita por quem ama, e não destruída por quem governa à distância, sem jamais ter pisado numa sala de aula de verdade.
O ensino público precisa de investimento, valorização, diálogo, e sobretudo, respeito àqueles que o constroem diariamente com sua saúde, seu tempo e sua vida.
*Professor Azuaite Martins de França é Vice-Presidente do Centro do Professorado Paulista (CPP)