Do concreto para o abstrato
Observando as palavras do nosso vocabulário, é possível encontrar muitas cuja raiz etimológica sugere significado concreto. Depois, nas derivadas e nos contextos vão assumindo conceitos abstratos.
Lendo o jornal, encontrei, por exemplo, o substantivo “paquiderme”, de origem grega, que já conhecia, mas me interessou saber o sentido de “paqui”. Estava lá no livro de consulta:”paqui”= espessa, grossa; “derme”= pele. Só que ,no contexto em que apareceu, o substantivo tinha sentido abstrato— estúpido, grosseiro. O animal –concreto—não aparece muito entre nós, porém o abstrato já nos é familiar em reuniões de câmaras. Outro vocábulo de raiz concreta é “dedar” – de dedo. O valor abstrato do verbo já nos é familiar desde o tempo do Primário, quando algum colega acusava o outro para a professora. Hoje em dia, sofisticou-se e ganhou parceiros com outras raízes, como “delatar” , “delação premiada”. Aproveitando o contexto, vale a pena lembrar o substantivo/ adjetivo “comensal”. A raiz é “mensa” ( em latim= mesa); portanto, a palavra significa: aquele que se senta junto à mesa. Aparentemente, não saiu do concreto. No entanto, os comensais , em determinado meio, são seres abstratos, pelo menos para a maioria dos cidadãos. Só são concretos para algum beneficiado. Certos vocábulos , com o mesmo radical, transitam entre o concreto e o abstrato. São exemplos: “mão”, “manual”, “manusear”, “manobrar”. Manusear as páginas do livro e manobrar um caminhão carregado tendem mais ao concreto. Porém, manusear ou manobrar os eleitores têm sentido abstrato. E , para fechar na mesma direção, convém lembrar “capital”, cuja raiz latina é “caput” , que significa “cabeça”. Capital pode ser concreto, mas, dependendo de como chega às mãos do beneficiado, some, fica abstrato.
(*) Professor de português e revisor de textos.
