Documentário – A saga dos Trapalhões
Por décadas, Os Trapalhões
foram representantes de um humor que alcançava todas as idades. Didi, Dedé,
Mussum e Zacarias apostavam na comédia inocente, inspirada na forma circense,
mas também em esquetes que podem parecer politicamente incorretos para os dias
de hoje. Essa trajetória, que não foi tão harmoniosa como se via nas telas da
TV e dos cinemas, será contada por Rafael Spaca no documentário Trapalhadas Sem
Fim.
Spaca, que já fez dois livros sobre o grupo, As
HQs dos Trapalhões e O Cinema dos Trapalhões, é fã do quarteto desde a
infância. O diretor falou com 64 pessoas para o filme, financiado por ele e
pelo produtor Atilio Bari, que apresenta o programa Persona em Foco, da TV
Cultura. A última entrevista ocorreu no mês passado, com Pelé, que participou
do longa-metragem Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986). O documentário
tornou-se motivo de polêmica, já que Renato Aragão e Dedé Santana, os dois
Trapalhões da formação clássica ainda vivos, não apoiam a produção.
Mesmo assim, vários exibidores já procuraram
Spaca para comprar os direitos de Trapalhadas Sem Fim. Assim que um acordo for
fechado, o diretor começa o trabalho de pós-produção e montagem do
documentário. Estão previstos dois cortes, um para o cinema e outro para a
televisão, em cinco episódios.
O diretor conheceu Aragão em 2016, durante
entrevista para O Cinema dos Trapalhões. “Ele elogiou minha pesquisa e
meus dois livros são fonte bibliográfica do livro dele”, conta Spaca. Ele
afirma que mandou o projeto completo do documentário para o humorista e não
recebeu resposta.
Ao reenviar o projeto, recebeu uma mensagem de
Aragão dizendo que ele não estava autorizado a fazer o filme. “Você não
pode me proibir de fazer, você pode não me dar entrevista”, respondeu
Spaca. “Ele viu que a pesquisa estava avançando quando me aproximei da
Xuxa e do Roberto Guilherme (intérprete do Sargento Pincel). Mandei um pedido
de entrevista para a Xuxa, via assessoria de imprensa, e quem responde é a
Lilian Aragão (mulher de Aragão), dizendo que eu estava proibido de fazer o
filme”, diz o diretor.
Para Spaca, Aragão é contra outras visões sobre
ele e Os Trapalhões. “Ele tem noção que não vai ser só confete. As pessoas
falaram dele espontaneamente, coisas que estavam entaladas.” O diretor
entrevistou pessoas que trabalharam diretamente com o quarteto nos bastidores,
incluindo o ex-empresário Élcio Spanier, a camareira e até o gerente da agência
bancária em que eles tinham conta.
O ator Ferrugem, que participou de programas dos
Trapalhões ainda criança, lembra que reclamou com o roteirista Wilson Vaz que
sua participação estava ruim. Segundo Ferrugem, Vaz o levou até uma sala,
mostrou um monte de folhas de papel e falou: “Isso aqui é o texto que eu
faço para você e o Renato não deixa passar” Já o ex-empresário Spanier dá
uma declaração ponderada sobre Aragão. “Se eu não cuidei de mim, o erro
não é do Renato. Se o Dedé não cuidou dele, não pode botar a culpa no Renato.”
No trailer de Trapalhadas Sem Fim, disponível no
YouTube, outros entrevistados fazem elogios ao grupo. “Essa própria falta
de responsabilidade, ou de respeito pela visão adulta, enriquecia o humor
deles”, afirma Caetano Veloso, que citou nominalmente os quatro
integrantes na música Jeito de Corpo. “Foi um marco dentro do humor
brasileiro”, fala Ney Matogrosso, que não se sentia desrespeitado pelas
imitações que Aragão fazia dele.
Spaca contratou uma advogada para lidar com
questões sensíveis do filme. Uma delas é como utilizar a imagem dos humoristas.
O diretor afirma que, com a negativa de Aragão em participar, não deve
conseguir trechos de programas que pertencem à TV Globo. Mas imagens
alternativas podem ser inseridas no documentário, incluindo filmagens do grupo
em um circo, erros de gravação e um raro episódio de Os Trapalhões exibido pela
TV Tupi em 1974, com Canarinho substituindo Mussum excepcionalmente. “Se
não der para usar imagens, vamos fazer apenas com depoimentos. Isso não vai
inviabilizar a difusão”, afirma Spaca.
A linha temporal do documentário começa quando
Aragão vai participar do humorístico A, E, I, O… Urca (1963), exibido pela TV
Tupi. Em 1966, o diretor Wilton Franco cria para a TV Excelsior o programa Os
Adoráveis Trapalhões, com Aragão e Dedé. Mussum, que fazia parte do grupo Os
Originais do Samba, foi trabalhar com eles em 1972. Dois anos depois, Zacarias
entrou para a trupe.
Os Trapalhões saíram da TV Tupi em 1977. Para
disputar audiência com o Fantástico, da TV Globo, a emissora deslocou o
programa do sábado para o domingo. “Renato não queria a mudança. Mas o
primeiro programa empatou e o segundo e o terceiro ganharam da Globo”,
lembra Spaca. Foi aí que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então
diretor de operações da TV Globo, fez um convite a Aragão, que teve todas as
exigências aceitas.
Houve um desentendimento entre os integrantes em
1983. O documentário vai revelar que após uma matéria da revista Veja sobre o
sucesso e o patrimônio de Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias se sentiram
prejudicados e decidiram romper com ele. “À época, a mídia falava que o
Renato tinha 50% dos lucros e os outros dividiam os 50% restantes. Mas é muito
pior que isso”, diz Spaca.
Naquele ano, em dezembro, Aragão lançou o filme
O Trapalhão na Arca de Noé e os outros três Atrapalhando a Suate. O público se
dividiu e ambos tiveram bilheteria abaixo do esperado.
Em março de 1984, o empresário Beto Carrero
marca um encontro com os quatro em um restaurante – nenhum deles sabia que os
outros iriam. Ao se verem, ficam emocionados e decidem voltar sob novas bases
financeiras.
Outro lado – O advogado de Renato Aragão informou que ele não vai
se manifestar sobre o documentário de Spaca. Dedé Santana confirma a intenção
de não falar para o filme. “Não quero saber disso. Se ele (Spaca) quiser
fazer o filme, faz. Não vou falar com ele porque vou fazer o meu documentário,
que é o mesmo assunto. Não vou botar azeitona na empada dos outros.”