Conversa é à base de ação contra brigadistas de Alter do Chão
Uma conversa que
envolve um diretor de uma ONG é considerada pela polícia como principal
elemento que ligam ambientalistas e brigadistas a incêndios registrados em
Alter do Chão, no Pará. Na última terça-feira, 26, uma operação resultou na
prisão de quatro pessoas consideradas suspeitas e em buscas na sede de
organizações que atuam na região. Nenhum elemento ligado à perícia, testemunhas
ou imagens conclusivas é apresentado no pedido de prisão preventiva, ao qual a
reportagem teve acesso. O documento foi deferido pela Justiça, que manteve
nesta quarta-feira (27) as prisões.
Para os investigadores da Delegacia de Conflitos
Agrários do Baixo e Médio Amazonas, da Polícia Civil, a conversa entre Gustavo
de Almeida Fernandes, diretor de logística da ONG Projeto de Saúde e Alegria, e
uma pessoa identificada apenas como Cecília tem relevante destaque no
inquérito. Na conversa, ele diz que “está por trás de tudo”, identificando-se
na sequência como membro da brigada de Alter, acrescentando que está
“recebendo apoio de todo mundo”.
Na sequência da conversa, ele ressalta que a
situação “foi triste”. “A galera está num momento
pós-traumático, mas tudo bem” À interlocutora, Fernandes adverte que haverá
bastante fogo quando ela chegar. “Se preparem. O horizonte vai estar todo
embaçado”.
Para a polícia, o áudio representou uma guinada
na investigação. No pedido de prisão, os delegados escreveram que as
interceptações telefônicas “indicavam apenas que o grupo de brigadistas
estava se aproveitando da repercussão internacional tomada pelo incêndio
ocorrido na APA Alter do Chão, buscava beneficiar financeiramente a ONG
Instituto Aquífero Alter do Chão”. A queimada no local foi entre 14 e 16
de setembro e ganhou repercussão internacional.
A conversa, para os investigadores, deixa
perceptível a referência a “queimadas orquestradas”, “uma vez
que não é possível prever, mesmo nesta época do ano, data e local onde
ocorrerão os incêndios”. Os investigadores demonstram incômodo com a busca
por recursos realizada pelas organizações para combater as chamas.
No pedido à Justiça, sem acrescentar elementos
objetivos que sustentem a tese, a polícia diz ser “cógnito”, sabido,
que é comum brigadas de incêndio, “sobretudo as não oficiais, atearem fogo
em pequenas áreas para depois debelarem as chamas e, dessa forma, divulgarem
suas ações com a finalidade de obter patrocínio”. Os investigadores
reforçam que essa é a linha de investigação, “havendo indícios sobejos de
que os membros da brigada de Alter do Chão tenham lançado mão deste artifício,
pois todos os presentes durante a ação de combate ao fogo (…) notaram que
tanto o incêndio como a atuação da brigada era tratada como um verdadeiro
reality show”. A reportagem não conseguiu contato com a polícia na noite
de quarta.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles,
disse que se trata de uma investigação estadual e é preciso acompanhar o caso.
Os advogados dos quatro presos entrarão nesta quinta-feira, 28, com pedido de
habeas corpus. “Tivemos acesso aos inquéritos hoje (quarta) e não há nada
de substancial que possa amparar o decreto prisional”, disse o advogado
José Ronaldo Campos, que representa dois deles. O Ministério Público Federal
pediu acesso ao inquérito.
Prisão preventiva – Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, o
grampo divulgado seria suficiente para fundamentar a prisão. “Não precisam
ser muitos indícios.” Já o criminalista Everton Seguro diz que o termo
“garantia da ordem pública”, por ser amplo, pode levar a prisões
desnecessárias. “É um coringa que existe na lei e as autoridades usam como
praxe”, disse ele, que destacou não ter lido o inquérito para analisar os
detalhes do caso.