Em dez anos, 13 mil crianças se acidentaram no trabalho em São Paulo
Dados do Ministério da Saúde mostram que 35 morreram trabalhando
Nos últimos dez
anos, de 2009 a 2019, 13.591 crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos sofreram
acidentes de trabalho graves no estado de São Paulo e outros 35 morreram
trabalhando. Os dados são do Sistema de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan) do Ministério da Saúde. No mesmo período, o Ministério Público do
Trabalho (MPT) no estado recebeu 9.260 denúncias de trabalho infantil e ajuizou
500 ações civis públicas sobre a questão.
O levantamento com base no Sinan revelou que a maioria das vítimas dos
acidentes trabalhavam na informalidade, na construção civil, na agricultura,
como empregados domésticos e como açougueiros, entre outras atividades.
Conforme o MPT em São Paulo, essas atividades são definidas pelo Decreto
6.481/2008 como piores formas de trabalho infantil, sendo proibidas para
pessoas com menos de 18 anos.
“Há necessidade de efetiva proteção às crianças e adolescentes trabalhadores,
com o investimento em medidas de prevenção e de combate ao trabalho infantil em
aproximação com os demais atores sociais da rede de proteção”, disse a
procuradora Ana Elisa Alves Brito Segatti, chefe da Coordenadoria Nacional de
Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do
MPT-SP.
O órgão faz um chamado para que a sociedade participe da campanha nacional
lançada em 3 de junho contra o trabalho infantil realizada pelo MPT, Justiça do
Trabalho, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). A iniciativa Covid-19:
agora mais do que nunca, protejam crianças e adolescentes do trabalho infantil
alerta para o risco de crescimento da exploração do trabalho
infantil diante dos impactos da pandemia.
O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e
juventude e conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo
(Condepe), avalia que esses são números muito expressivos dos riscos à
integridade física e a vida das crianças e adolescentes. “O trabalho infantil,
além de prejudicar o desenvolvimento físico, psicológico, moral e educacional
das crianças e adolescentes, gera graves riscos à vida delas. ”
“E muitas vezes o trabalho infantil, principalmente nas ruas, como engraxates,
pedintes, vendedores ambulantes, acaba se tornando porta de entrada para o uso
e tráfico de drogas, exploração sexual e até o envolvimento com a criminalidade,
o que contraria a frase ‘melhor estar trabalhando do que roubando’”,
acrescentou.
Trabalho infantil na pandemia
Para Alves, o trabalho infantil deve aumentar diante do contexto de pandemia,
crise econômica e social, além de mortes e desemprego de pais, mães e
responsáveis. “Nesse período em que as crianças e adolescentes estão fora da
escola e sem outras atividades e apoios sociais, a situação também se agrava.
Com o aumento do desemprego, subemprego, diminuição de renda dos informais e
autônomos aumentará a exploração do trabalho infantil, em decorrência da
pandemia”, disse.
Outro alerta importante diz respeito à orfandade. Segundo o advogado, a maioria
das famílias no Brasil são mantidas por mulheres e idosos. “Com a morte de
pais, mães, avós e avôs e responsáveis legais, teremos uma geração de órfãos da
pandemia, gerando também trabalho infantil. ”
Entre os obstáculos para o enfrentamento do problema, Alvers citou o fato de o
estado de São Paulo ser o único que não tem delegacias especializadas de proteção
de crianças e adolescentes no país, as quais poderiam apurar essas situações de
exploração do trabalho infantil, que podem ser configuradas como crime de maus
tratos.
“Falta na legislação brasileira – e o ECA [Estatuto da Criança e do
Adolescente] completa 30 anos em julho – o crime específico de exploração do
trabalho infantil, que ajudaria a coibir essas práticas. Ajudaria também a
combater a exploração do trabalho infantil e, por consequência, a evitar os
acidentes e mortes”, ressaltou.
Ações da campanha
Na última terça-feira (09) os rappers Emicida e Drik Barbosa
lançaram uma música inédita sobre o tema, intitulada Sementes, nos aplicativos
de streaming, como uma das ações da campanha do MPT. Além disso,
serão exibidos 12 vídeos nas redes sociais com histórias reais de vítimas, que
integram a série 12 Motivos para a Eliminação do Trabalho Infantil. Está
prevista a veiculação de podcasts semanais para reforçar a
necessidade aprimoramento das ações de proteção a crianças e adolescentes,
neste momento crítico.
Para marcar o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, 12 de junho, haverá um webinar nacional
– um seminário virtual – que será transmitido pelo canal do Tribunal Superior
do Trabalho no Youtube. O evento vai debater questões como o racismo no Brasil,
os aspectos históricos, mitos, o trabalho infantil no contexto da covid-19 e os
desafios da temática pós-pandemia.