Estudo de câncer reacende debate sobre quando iniciar mamografias periódicas
O
diagnóstico de câncer de mama em mulheres com menos de 40 anos é
raro, representa em torno de 10% de todos os casos registrados. Mas,
quando ocorre nessa faixa etária, a doença tende a ser mais
agressiva. Nesse cenário, um novo estudo brasileiro reacende o
debate sobre a partir de qual idade elas devem começar a fazer a
mamografia periodicamente.
A
pesquisa Amazona III foi feita com 2.950 mulheres, de 22 centros de
saúde em nove Estados, que descobriram o tumor entre janeiro de 2016
e março de 2018. Os resultados mostram que 43% delas tinham idade
inferior a 50 anos no momento do diagnóstico. Das que tinham menos
de 40 anos, 36,9% estavam no estágio 3 da doença, considerado
localmente avançado.
O
estudo foi conduzido pelo Grupo Latino-Americano de Oncologia
Cooperativa (Lacog, na sigla em inglês), organização não
governamental que reúne 147 pesquisadores de 70 instituições,
juntamente com o Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama e
apoio do Instituto Avon. O trabalho começou em 2016 e as
participantes serão acompanhadas até 2021 para avaliação de
tratamentos, cirurgias, possível retorno da doença e taxa de
sobrevida.
O
Ministério da Saúde recomenda a mamografia a partir dos 50 anos. Já
a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) indica o exame a partir
dos 40 – antes disso, só para grupos de risco. “Se na consulta
o médico perceber se tratar de caso familiar, que tem mutação
genética, começamos o rastreamento a partir de 25 anos com
mamografia e ressonância magnética”, afirma Vilmar Marques,
vice-presidente da SBM. Ambas as orientações se baseiam na análise
de estudos clínicos.
Em
outros países, a recomendação também varia. A Sociedade Americana
de Câncer, por exemplo, apontava a necessidade do exame a partir de
40 anos. Mas, em 2015, a entidade mudou esse patamar para 45
anos.
Segundo
Gustavo Werutsky, diretor científico do Lacog, o problema é que
pelo menos um terço dos casos de câncer de mama afeta mulheres
antes dos 50 anos – 34,8% das participantes do estudo tinham entre 36
e 50 anos no momento do diagnóstico. “Essa população precisa
de rastreamento. Estamos perdendo um terço das pacientes”,
afirma ele, que também trabalha no setor de Oncologia do Hospital
São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUC-RS).
Chefe
da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede do
Instituto Nacional de Câncer (Inca), Arn Migowski alerta que a
amostra do estudo é pequena e representa menos de 2% dos casos de
câncer de mama no País, estimados em 60 mil por ano. Dados do Inca,
ligado ao Ministério da Saúde, indicam leve tendência de queda na
incidência da doença em mulheres de 40 a 49 anos, de 2000 a 2010.
Na faixa etária de 20 a 39 anos, houve estabilidade.
De
acordo com ele, existem riscos na indicação de rastreamento antes
dos 40 anos, quando não há sintomas. “A mamografia é um exame
de acurácia ruim para mulher jovem por causa da maior densidade da
mama. Isso aumenta os resultados errados e acaba irradiando muito a
mulher desnecessariamente”, diz Migowski.
Diagnóstico
tardio
Além
de recomendar o exame para mulheres entre 50 e 69 anos, o Ministério
da Saúde orienta que ele seja feito a cada dois anos. Outro dado do
estudo que chamou a atenção dos pesquisadores é que, do total de
mulheres, 34% descobriram o câncer ao fazer exame de rotina, sem ter
tido sinais ou sintomas prévios.
“É
preocupante porque, com outros dados recentes, mostra que a gente, na
verdade, não tem cobertura ideal de rastreamento do câncer de
mama”, aponta Werutsky. Ele indica três razões: falha em
educar as pacientes, dificuldade de acesso ao exame e não realização
dos exames. O primeiro e terceiro motivos estão conectados, uma vez
que, se a mulher desconhece a doença, tende a não dar importância
ao diagnóstico precoce. E percepções equivocadas sobre o câncer
de mama são expressivas.
Pesquisa
deste ano, feita pelo Ibope Inteligência a pedido da Pfizer com 2
mil brasileiros, apontou que quase 80% das pessoas acreditam que o
toque nas mamas é a principal medida para identificar a doença em
estágios iniciais. Muitas vezes, porém, quando o tumor é palpável,
já está em níveis avançados. Além disso, 25% das ouvidas estão
convencidas de que a mamografia só é necessária se exames prévios
indicarem alterações.
No
caso da analista de vendas Fabiana Farias, de 40 anos, o câncer só
foi detectado, há um ano e meio, porque ela realizava exames
pré-operatórios para colocar prótese mamária. “No ultrassom
não apareceu nada. Quando eu fiz a mamografia, apareceu calcificação
suspeita. Era inicial, mas estava completamente espalhada na mama”,
conta ela.
Ao
saber que, no futuro, a outra mama até então saudável poderia ser
afetada, Fabiana decidiu fazer uma adenomastectomia (remoção
completa) nas duas mamas. O procedimento é preventivo e conserva
pele, aréolas e mamilos. “Não era mais estética, era
saúde.”
Na
questão do acesso ao exame de mamografia, o Brasil tem cerca de 5
mil mamógrafos espalhados pelo território, mais do que a proporção
recomendada que é de um para cada 240 mil habitantes. A desigualdade
na distribuição dos equipamentos, porém, é um desafio.
Estudo
publicado em fevereiro pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e
Diagnóstico por Imagem mostra que, no Sistema Único de Saúde
(SUS), com 2.102 aparelhos disponíveis no País, o Estado de São
Paulo é o mais privilegiado (402 mamógrafos) enquanto o Amapá tem
o maior déficit (com dois, sendo que o ideal seriam três). Soma-se
a isso a demora em agendar consultas e exames no sistema
público.
Rede
de atendimento interfere no diagnóstico
Ser
atendido no Sistema Único de Saúde (SUS, a rede pública) ou na
área privada faz diferença quanto ao diagnóstico do câncer de
mama. No SUS, 33% das mulheres foram diagnosticadas com estágio 3 da
doença, considerado localmente avançado. Na rede privada, o número
cai para 14%. Os dados são da pesquisa Amazona III.
Níveis
mais leves do câncer foram mais prevalentes na rede privada de saúde
(41% com estágio I). “Isso é universal. Em países
desenvolvidos, há menos prevalência de câncer de mama avançado ou
metástase. Em países pobres, a prevalência é de 30% a 40% de
diagnóstico grave”, diz Débora Gagliato, oncologista da BP – a
Beneficência Portuguesa de São Paulo.
A
especialista concorda que o acesso, não só à mamografia, é
difícil em nações em desenvolvimento, como o Brasil. “Uma vez
que a paciente tem alteração na mamografia, até ter biópsia
realizada pode ter um tempo muito grande. E sabemos, claramente, que
tempo para tratamento é igual à cura. Pacientes que demoram a
começar quimioterapia preventiva têm maior chance de morte por
causa da doença”, diz.
“Campanhas
de educação são importantes para que a mulher tenha noção de que
o exame salva vidas, mas é preciso ampliar a disponibilidade de
acesso ao SUS”, complementa Débora.
Sabe-se
que tumores em estágios mais avançados tendem a ter tratamento mais
custoso. Além do maior uso de medicações, há maior probabilidade
de efeitos colaterais.
Fabiana
Farias não tinha casos de câncer de mama na família. Como trabalha
em uma empresa que sempre orientava sobre a saúde feminina, ela
decidiu iniciar o rastreamento anual por volta de 26 anos.
Quando
o diagnóstico do câncer em estágio inicial veio aos 39 anos, ela
teve de fazer apenas cirurgia. “Se eu não fizesse mamografia
naquele tempo, se tivesse de esperar os 40 anos, poderia ser invasivo
e com risco de metástase”, afirma.