Juiz condena por lesão corporal seguranças que chicotearam jovem negro em SP
A
Justiça de São Paulo inocentou os ex-seguranças Davi de Oliveira Fernandes e
Valdir Bispo dos Santos da acusação de tortura envolvendo o episódio em que
chicotearam um adolescente negro flagrado tentando furtar uma barra de
chocolate em agosto, no supermercado Ricoy, na zona sul de São Paulo. Em
julgamento realizado nesta última quarta-feira, 11, eles foram condenados pelos
crimes de lesão corporal, cárcere privado e divulgação de cenas de nudez.
A sentença foi dada pelo juiz Carlos Alberto
Correa de Almeida Oliveira, da 25ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São
Paulo, que imputou a Davi e Valdir as penas de 3 anos e 10 meses reclusão e 3
meses e 22 dias de detenção. Cabe recurso da decisão.
Na decisão que condenou os ex-seguranças,
Oliveira considerou que não houve crime de tortura, uma vez que as agressões
infringidas ao menor “não foram com a finalidade de obter informações e
também não foram aplicadas por quem estava na condição de autoridade, guarda ou
poder”.
“O que de fato ocorreu foi um crime de
cárcere privado, este qualificado pelo intenso sofrimento físico e moral a que
foi submetida a vítima”, afirmou.
Em outro trecho da sentença, o magistrado
explica que os atos de violência não tinham o condão de obter informações, mas
“aplicar uma reprimenda e uma humilhação” ao jovem, “acabando
por representar ato de sadismo”.
Oliveira fez também considerações sobre a
tipificação do crime de tortura, afirmando que a mesma tem como base uma ideia
de autoridade, deixando de considerar a “conduta de pessoas que apenas
usam do castigo injustificado e imoderado como um meio de afirmação, como
ocorre nos chamados “Tribunais do Crime” ou no próprio ato de
“Linchamento” quando não ocorra evento mais grave”.
“O que os réus fizeram foi extremamente
grave, causa intensa revolta no homem comum e ainda demonstra o quanto
miseráveis de sentimentos e valores algumas pessoas podem se tornar se não
observado o limite da humanidade. Porém, não está na repulsa à conduta
praticada pelos acusados, a justificação para se flexionar a interpretação da
lei para castigar com maior rigor, o que pode nos colocar em situação
assemelhada à dos acusados no tocante à violação da lei”, escreveu o
magistrado.
O crime de tortura é considerado hediondo e por
isso tem uma pena maior do que o de lesão corporal.
“A inércia do Estado pode levar à
violência, em face do abandono de pessoas que se tornam criminosas, como pela
reação das vítimas que não acreditam no Estado e reagem, desproporcionalmente,
contra os criminosos, passando a se tornarem criminosos também”, escreve
ainda o magistrado.
As agressões ao jovem no supermercado Ricoy
viraram alvo de inquérito policial após cair na internet o vídeo em a vítima é
açoitada completamente despida.
A investigação culminou na denúncia apresentada
pelo Ministério Público do Estado no dia 16 de setembro, que atribuiu aos
seguranças a prática dos crimes de tortura, cárcere privado e divulgação de
cenas de nudez por causa da divulgação de imagens por celular.
Em depoimento prestado ao 80º Distrito Policial,
da Villa Joaniza, no Sul de São Paulo, o rapaz afirmou que, “em data que
não recorda, “dentro do Supermercado Ricoy, instalado no local dos fatos,
apanhou das gôndolas uma barra de chocolate e tentou sair sem efetuar o
pagamento”. “Foi abordado na saída pela pessoa de Santos, segurança
do local, o qual conhece já há algum tempo”.
“Ele foi auxiliado por Neto que juntos
levaram a vítima até um quarto nos fundos da loja”, narrou. O jovem acrescentou.
“Ali a vítima foi despida, amordaçada, amarrada e passou a ser torturada
com um chicote de fios elétricos trançados. Ali, permaneceu por cerca de
quarenta minutos, sendo agredido o tempo todo”.
“Não sabe dizer se mais alguém percebeu que
aqueles seguranças o levaram para dentro daquele quarto onde foi
espancado”, consta no termo de depoimento.
“Depois de apanhar bastante foi liberado
pelos agressores e não quis registrar boletim de ocorrência pois temia pela sua
vida. Na saída do supermercado ouviu santos dizer que caso falasse algo para
alguém iria matá-lo”, concluiu.
O advogado e membro do Conselho Estadual de
Direitos Humanos que acompanhou as investigações do caso, Ariel de Castro
Alves, viu como “lamentável” que os réus não tenham sido condenados
pelo crime de tortura.
“O adolescente estava sob o poder e
autoridade dos agressores e a tortura foi utilizada como castigo em razão do
furto no mercado. Os acusados deixaram ele nu. Depois foi amordaçado,
chicoteado, humilhado e ameaçado. O que mais faltou para ser considerado
tortura?”, questionou.
Defesas – A reportagem busca contato com os advogados de Davi de Oliveira
Fernandes e Valdir Bispo dos Santos. O espaço está aberto para manifestações.
Quando as acusações sobre o episódio de
agressões ao jovem negro foram divulgadas, o Ricoy divulgou a seguinte nota:
“O Ricoy Supermercados apura todo e
qualquer caso de violência. Mais do que isso, sempre vai colaborar com as
investigações e as autoridades para garantir que todos os fatos sejam esclarecidos.
E enfatizamos que somos contrários e não compactuamos com qualquer tipo de
discriminação ou violação de direitos humanos. Por isso, o Ricoy espera que
sejam punidos no rigor da lei sempre que o crime for comprovado.
Em relação aos fatos lamentáveis registrados em
vídeo divulgado amplamente, o Ricoy Supermercados esclarece o seguinte:
1 – Ficamos chocados com o conteúdo da tortura
em cima do adolescente vítima da violência.
2 – O Ricoy desde sua fundação na década de 1970
exerce os princípios mais rígidos de valorização do ser humano, seja em nossas
lojas ou em nossa comunidade. Ficamos muito abalados com a notícia que nos
causou repulsa imediata.
3 – Os dois seguranças acusados de praticarem os
atos são de empresa contratada terceirizada e não prestam mais serviço para
nossos supermercados.
4 – Para manter a coerência em contribuir com as
investigações, um funcionário da loja Yervant Kissajikian, 3384, prestou
depoimento no 80º Distrito Policial.
5 – O Ricoy já disponibilizou uma assistente
social para conversar com a vítima e a família. E dará todo o suporte que for
necessário.
O Ricoy Supermercados condena e repudia todos os
casos de violência, discriminação ou violação dos direitos humanos envolvendo
direta ou indiretamente suas lojas. O Ricoy Supermercados acredita que para a
construção de um país mais justo é preciso uma sociedade mais igualitária, mais
tolerante com as diferenças e sem preconceitos.
Não por acaso é importante enfatizar que desde a
sua fundação o Ricoy Supermercados reflete em seu corpo de colaboradores a
grande diversidade dos brasileiros. E diante das notícias dos últimos dias,
enfatiza: espera que todos sejam punidos no rigor da lei sempre que o crime for
comprovado.”