Justiça determina que bancos esclareçam propaganda enganosa
Bancos terão que explicar condições para as medidas anunciadas
Os bancos terão que
informar aos clientes de forma clara e precisa a diferença entre prorrogação e
renegociação de dívidas, assim como explicitar se haverá a incidência de juros
e demais encargos e que a renegociação não é automática. A determinação é do
juiz Sérgio Caldas Fernandes da 23ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte,
que atendeu parcialmente pedido do Instituto de Defesa Coletiva (IDC) em uma
ação civil pública contra a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o Banco
do Brasil, o Bradesco, o Itaú e o Santander.
Segundo o IDC, a ação denuncia o não cumprimento de medidas anunciadas pelos
bancos de prorrogação do pagamento de dívidas de clientes com os bancos durante
a pandemia de covid-19.
Em março deste ano, os bancos anunciaram a prorrogação de dívidas de clientes
pessoas físicas ou micro e pequenas empresas com os cinco maiores bancos do
país, por até 60 dias. Entretanto, empresas e pessoas físicas relataram
dificuldades para ter acesso à pausa de 60 dias no pagamento de parcelas de
crédito.
Na ação, o IDC citou casos de clientes que não conseguiram acesso à medida e
receberam diversas justificativas dos bancos, como a celebração do contrato com
a instituição financeira ter sido feita fora da agência, estar adimplente com o
contrato, mas com data de vencimento próximo ao pedido ou ter firmado contrato
com banco financiador integrante do grupo econômico.
Decisão da Justiça
“Defiro em parte a tutela de urgência para determinar que os requeridos
publiquem informação, correta e com igual divulgação, diante da incompletude da
nota emitida pela Febraban e informações/publicidade realizadas pelas
instituições bancárias, com a explicação de forma clara e precisa para os
consumidores sobre qual produto está sendo ofertado, as diferenças entre
“prorrogação” e “renegociação”, assim como realçar se no período de prorrogação
ou renegociação da dívida haverá a incidência de juros e demais encargos, a
depender do percentual pactuado, bem como que a renegociação não será realizada
de forma automática pela instituição financeira. Determino o prazo de 48 horas
para cumprimento”, diz o juiz.
Na decisão, o juiz lembra que na oferta de crédito pelas instituições
financeiras, a informação deve conter, no mínimo, sua natureza, prazo de
carência, provisão de juros, incidência de Imposto sobre Operações Financeiras
(IOF) e demais encargos como as tarifas. “Caso se trate de uma renegociação, é
essencial que se esclareça de antemão se se trata de prorrogação, novação, refinanciamento,
diferimento ou qualquer outro negócio jurídico que implique alteração nos
prazos de vencimento ou das condições de pagamento originalmente pactuadas”,
destaca o juiz.
O juiz lembra que ao divulgar a prorrogação de dívidas, os bancos disseram estar
“sensíveis ao momento de preocupação dos brasileiros com a doença provocada
pelo novo coronavírus”, tendo a metida o objetivo de “amenizar os efeitos
negativos dessa pandemia no emprego e na renda”. “A referida publicidade tem o
condão de criar legítima expectativa nos consumidores de que novas modalidades
de operação de crédito mais favoráveis seriam oferecidas, distintas das já
existentes, ou que o pagamento seria diferido sem aumento dos encargos pelo
período aventado. Em suma, os consumidores foram atraídos para os seus bancos
com a expectativa de que seria postergada a data do pagamento dos seus
compromissos ou que lhes seriam oferecidas condições especiais para
ultrapassarem este difícil momento”, diz o juiz.
Entretanto, acrescenta o juiz, a publicidade das medidas pode ser classificada
como enganosa. “As indicações trazidas levam a crer que, na prática, estão as
instituições bancárias praticando alongamentos das parcelas, com o acréscimo
proporcional dos juros remuneratórios no patamar contratado e IOF sobre a
carência adicional no saldo devedor, retirando a confiança despertada pela
publicidade original, esta que deve ser considerada como enganosa”.
O advogado Márcio Casado, que representa do IDC na ação, diz que agora é
preciso que os bancos cumpram a determinação judicial. “O primeiro passo é
fazer cumprir a liminar. Febraban e bancos devem editar contrapropaganda – um
recall contra fake news, basicamente – deixando claras as condições para a
concessão dos créditos, bem como explicando se são prorrogações ou novas
operações de crédito”, disse.
Na ação, o IDC lembra que os bancos receberam ajuda para ter recursos
disponíveis (liquidez) e assim dar fluidez ao crédito. Ao todo, as medidas
anunciadas têm o potencial de ampliar a liquidez do sistema financeiro em R$
1,217 bilhão, equivalentes a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). “A
prorrogação dos prazos de empréstimo e financiamento seria a contraprestação
das instituições financeiras para promover a liquidez também aos consumidores.
Assim sendo, é possível vislumbrar que a prorrogação das parcelas não é uma
medida de solidariedade, tampouco de apoio voluntário aos consumidores, mas,
sim, uma contraprestação decorrente das medidas adotadas pelo Conselho
Monetário Nacional”, argumenta Casado.
Na ação, o IDC também pediu que as ofertas disponibilizadas no site da Febraban
e das instituições financeiras garantam à prorrogação de contratos de
empréstimo e financiamento, sem a incidência de qualquer juro moratório ou
remuneratório, ou encargo de nova operação de crédito. Também pede que sejam
criadas regras e critérios objetivos para aplicação das medidas de forma
isonômica, sem cunho discriminatório para a prorrogação/renegociação dos
contratos de empréstimo e financiamento explicitando quem são os consumidores
contratantes que têm esse direito, quais são as condições contratuais para
exercer esse direito, quais são os encargos e qual é o custo efetivo total
incidente.
A ação ainda propõe prorrogar a medida de enfrentamento à pandemia divulgada 15
e 16 de março, por mais 60 dias, a partir de seu término. Outro pedido foi para
que todos os consumidores que possuem contratos de empréstimo e financiamento
com bens dados em garantia, incluindo os inadimplentes desde o dia 20 de
fevereiro de 2020, bem como os que possuem contratos de empréstimos consignados
também possam ter prorrogação de dívida. Entretanto, o juiz só aceitou o pedido
de correção na publicidade feita pelos bancos. “Em relação aos demais pedidos
liminares, tenho que não devam ser acolhidos neste momento em sede de processo
coletivo”, disse o juiz.