MPF vai avaliar competência do Estado para investigar incêndios florestais no PA
O Ministério Público Federal
(MPF) enviou nesta última quinta-feira, 28, à 1ª Vara Criminal de Santarém, no
Pará, um pedido de vistas ao processo que levou à prisão dos quatro brigadistas
investigados por incêndios florestais em Alter do Chão, no oeste do Estado. Conforme
divulgou a assessoria, o MPF quer analisar se há competência estadual ou
federal para o caso. O pedido informa que existe inquérito na Polícia Federal
com o mesmo objeto daquele aberto pela Polícia Civil para apurar incêndios
florestais ocorridos em setembro de 2019 na Área de Proteção Ambiental (APA)
Alter do Chão.
Caso as investigações apontem para incêndio
criminoso, o MPF seria titular de eventual ação penal a ser ajuizada. Conforme
a assessoria, por enquanto as investigações federais não apontam suspeitos. A
PF trabalha em laudos técnicos para esclarecer “de forma definitiva”
a origem dos incêndios. “Em razão da duplicidade de procedimentos
investigatórios, e com o propósito de evitar nulidades, é necessário aferir se
a competência seria da Justiça Federal ou da Justiça Comum Estadual”, diz
a manifestação assinada por dez procuradores da República.
TJ pede mais informações sobre prisões a juiz-
Na manhã desta última quinta-feira, 28, os advogados dos brigadistas
presos desde terça-feira, 26, na operação da Polícia Civil entraram com pedidos
de habeas corpus no Tribunal de Justiça do Pará. O advogado Michel Durans pediu
a liberdade de Daniel Gutierrez Govino e Marcelo Aron Cwerve, alegando a
desproporcionalidade da medida e falta de elementos que justifiquem a prisão.
Já o advogado José Ronaldo Dias Campos argumentou que não há razão para que
João Victor Pereira Romano e Gustavo de Almeida Fernandes permaneçam presos,
por não haver evidência de que tenham cometido crimes. No primeiro caso, o TJ
negou a soltura imediata e pediu informações ao juiz Alexandre Rizzi, da 1.a
Vara Criminal de Santarém. O segundo pedido ainda era analisado na tarde desta
quinta.
Os brigadistas estão presos no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Santarém.
De acordo com o professor de educação física Caio Moreno, irmão de João Victor,
os quatro tiveram os cabelos e barbas raspados, mas permanecem juntos em uma
cela. Segundo ele, sua mãe viajou para a cidade paraense em busca de
informações sobre o filho. Ele teve acesso à transcrição completa das escutas
feitas pela Polícia Civil e diz que a interpretação dada pela polícia às falas
é equivocada. “Quando ele fala que vai ter bastante fogo e o horizonte vai
estar embaçado de fumaça, ele só quis dizer que é temporada de fogo e vai ter
fogo até as chuvas chegarem.”
Segundo ele, assim como os bombeiros, os brigadistas podem usar a técnica do
fogo contra fogo para combater incêndios. “É uma técnica de colocar o fogo
no mato na direção em que o incêndio está progredindo. Isso é feito pelos
bombeiros.”
Moreno é autor de um vídeo postado em redes sociais em que fala sobre as
condições de vida do irmão brigadista, que deixou uma vida confortável em São
Paulo para defender a floresta. “Ele podia estar bem aqui, mas preferiu
morar em uma cabana, para não dizer um barraco, no meio da floresta. Ele anda
de chinelo, não tem energia, nem geladeira em casa. Não é e nunca foi uma
questão de dinheiro, como foi colocado pela polícia.”
O documento do MPF enviado ao juiz de Santarém informa ainda que, até o
momento, as investigações se concentram em esclarecer se a origem dos incêndios
é a área localmente conhecida como Capadócia, “em grande parte sobreposta
à gleba federal arrecadada Mojuí dos Campos I e, uma porção menor, ao Projeto
Agroextrativista do Eixo Forte (assentamento federal administrado pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)”.
Se confirmado que as queimadas aconteceram em terras públicas federais, o MPF
entende que a atribuição para investigar não é da Polícia Civil. “O MPF já
investiga ataques de grileiros sobre essas áreas desde 2015 e tem dois
processos judiciais que tratam de grilagem e danos ambientais na APA Alter do
Chão, tramitando na Justiça Federal de Santarém”, informa.
O pedido do MPF chegou à vara de Santarém e o juiz Alexandre Rizzi, segundo sua
assessoria, encaminhou para o Ministério Público, para análise. “Após o
parecer do MP, que detém a autoria da ação, o juiz vai se manifestar sobre o
pedido”, informou. Na quarta-feira, durante audiência de custódia, o juiz
havia mantido os brigadistas presos para que não houvesse prejuízo à
investigação e para a própria segurança dos suspeitos, segundo alegou.
Linha do MPF aponta para assédio de
grileiros em APA – No dia anterior, o MPF havia divulgado nota informando que
“na investigação federal, nenhum elemento apontava para a participação de
brigadistas ou de organização da sociedade civil” na origem dos incêndios.
Segundo o MPF, ao contrário da apuração da Polícia Civil do Pará, a linha das
investigações da PF, que vem sendo seguida desde 2015, aponta para o assédio de
grileiros, ocupação desordenada e para a especulação imobiliária como causa da
degradação ambiental em Alter. “Por se tratar de um dos balneários mais
famosos do país, a região é objeto da cobiça das indústrias turística e
imobiliária e sofre pressão de invasores de terras públicas”, disse o MPF.
Os incêndios florestais na unidade de conservação ocorreram entre 14 e 18 de
setembro. Além das equipes do Corpo de Bombeiros, Exército e governo do Pará,
os brigadistas voluntários da Brigada Alter do Chão, organização independente,
atuaram no combate às chamas. O fogo atingiu 1,2 mil hectares, segundo
levantamento feito à época pelos bombeiros. Houve também mortes de animais e
aves. Em setembro, uma investigação do MPF apontou que o fogo teria começado
dentro de uma área loteada irregularmente por Silas da Silva Soares, condenado
em 2018 por crimes ambientais.
Antes da condenação, Soares foi preso em Santarém, acusado de loteamento
irregular e de promover desmatamento na APA Alter do Chão. No entanto, em razão
de problemas cardíacos que não podiam ser tratados na penitenciária, a Justiça
autorizou a prisão domiciliar. Ao receber a pena de seis anos e dez meses de
prisão, a Justiça determinou que ele retornasse à penitenciária, mas ele já
havia fugido. Na época da nova denúncia, o advogado de Soares, Raimundo Nonato
Sousa Castro, informou que seu cliente estava “a milhares de
quilômetros” de Alter do Chão quando aconteceram os incêndios. Sobre a
condenação, Castro entrou com recurso e aguarda julgamento.