Por mais de 100 anos, estudantes – e futuros cientistas – aprenderam que a luz é, ao mesmo tempo, onda e partícula, um conceito consagrado na chamada dualidade onda-partícula, pilar da Física Moderna. No entanto, estudo liderado por Celso Villas-Boas, docente no Departamento de Física da UFSCar, propõe que talvez a parte “onda” dessa história nunca tenha existido.
A equipe, em colaboração com o Instituto Max Planck de Óptica Quântica, na Alemanha, apresentou um modelo que explica o famoso experimento da dupla fenda, considerado a prova definitiva do caráter ondulatório da luz, usando apenas a natureza corpuscular dos fótons. O estudo, publicado na revista Physical Review Letters, sugere que o padrão de listras claras e escuras que surge no experimento não precisa ser explicado por ondas se interferindo, mas sim apenas por fótons – partículas, portanto – que, em certas condições, entram em um “estado escuro”.
“Nesses estados, os fótons continuam existindo, mas não interagem com a matéria em um nível perceptível, pelo menos, e, por isso, não são detectados”, explica Villas-Boas. “A teoria tradicional assume que, nas regiões escuras do padrão, a luz foi cancelada pela interferência de ondas. Nós propomos que não: os fótons apenas ficam invisíveis aos nossos detectores.”
Essa abordagem questiona uma das interpretações mais icônicas da Física Quântica e reacende debates antigos sobre o papel do observador nos experimentos. Na visão tradicional, basta tentar detectar por qual fenda o fóton passou para que o padrão de interferência desapareça, como se o ato de observar mudasse o comportamento da luz. O novo modelo elimina esse elemento e atribui o fenômeno inteiramente às propriedades quânticas das partículas de luz.
O físico Marco Bellini, do Instituto Nacional de Óptica da Itália, afirmou à revista New Scientist, em notícia sobre o estudo brasileiro, que considera essa perspectiva “intrigante” e que, embora não substitua completamente a interpretação tradicional, ela oferece um quadro teórico alternativo baseado apenas no aspecto corpuscular da luz.
O trabalho é fruto de projeto intitulado “Efeitos não lineares em eletrodinâmica quântica de cavidades de dois modos”, que tem apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp/SPRINT: 2018/22402-7), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 201765/2020-9) e de instituições internacionais. Além de avanços conceituais, a teoria pode abrir caminhos para novas tecnologias, como detectores capazes de identificar fótons em estado escuro e lasers projetados com base nessa dualidade invisível.
Enquanto os testes experimentais mais amplos ainda estão por vir, Villas Boas acredita que o impacto pode ser profundo. “Talvez seja hora de reescrevermos os livros de Física. Entender a luz como partícula e reconhecer os estados escuros pode resolver questões antigas e inspirar novas descobertas.”
Confira o artigo “Bright and Dark States of Light: The Quantum Origin of Classical Interference“, que defende a teoria de Villas-Boas, publicado em periódico da American Physical Society (APS). Saiba mais detalhes em vídeo no YouTube sobre o estudo, com entrevista com Celso Villas-Boas.
