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Unidade de tratamento para pacientes com sequelas segue indefinida

Secretário municipal de Saúde, afirma que legislação não permite usar verba de emenda parlamentar para pagar contratação de funcionário

06/08/2021 06h06 - Atualizado há 3 anos Publicado por: Redação
Unidade de tratamento para pacientes com sequelas segue indefinida Fotos: Divulgação

O ambulatório municipal para atendimento dos pacientes com sequelas após a infecção pela Covid-19 esbarra na legislação que impede que emenda parlamentar seja usada para contratar servidores terceirizados para uma função que a secretaria tem quadro de funcionários efetivos, como médico, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista e enfermeiro.

De acordo com o secretário municipal de Saúde, Marcos Palermo, o número de servidores da Prefeitura não atende a alta demanda dos pacientes com sequelas. “Estamos tentando encontrar uma forma junto ao Jurídico do município para contornar essa situação”.

A Prefeitura aguarda o plano de trabalho para um possível convênio, que está em desenvolvimento pelo médico e diretor técnico da Unidade Saúde Escola (USE) da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos – SP), Humberto Sadanobu Hirakawa.

Palermo levantou a possibilidade de hospitais como Santa Casa, que é filantrópica, e Hospital Universitário (HU-UFSCar), que é público, assumirem parte da demanda no tratamento pós-Covid-19, na reabilitação dos pacientes. “O HU já conta com um ambulatório destinado aos pacientes que adquiriram sequelas com a infecção. O SAD (Serviço de Atenção Domiciliar) da Santa Casa pode absorver parte da demanda. Ainda tem a USE (Unidade Saúde Escola) da UFSCar que pode absorver parte dos pacientes”, declarou Palermo.

Ele estima que perto de mil pacientes, moradores de São Carlos (SP), aguardem pelo cuidado de fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia e médico para entrar no processo de reabilitação motora e cardiorrespiratória, além dos outros problemas gerados pela Covid-19 ligados ao funcionamento cardíaco, neurológico e renal, por exemplo.

CONTRAPONTO – O advogado Antônio Netto Donato, especialista em direito público, afirmou que não há impedimento legal para a contratação de terceirizado por meio de emenda parlamentar e foi taxativo: “A destinação desse tipo de verba pode ser aplicada em qualquer campo da administração pública”.

“Dentro do orçamento da Prefeitura há uma parcela que é destinada para os vereadores indicarem onde deve ser aplicada essa verba. Portanto é dinheiro é da própria Prefeitura”.

Donato afirmou ser necessária uma readequação orçamentária para designar a maneira que será aplicada essa verba. “Basta encaminhar para a Câmara o projeto de lei indicando a transferência desse recurso como compra de equipamento, salário de servidor ou contratação de mão de obra, como já ocorre com as emendas destinadas ao pagamento de médicos e serviços hospitalares para cirurgias eletivas”.

A contratação, independente da fonte do dinheiro público, deve ser resguardada por um processo seletivo ou uma licitação. Caso a Secretaria de Saúde tenha esses profissionais e apresente justificativas que a sua equipe não consegue atender a demanda dos pacientes, isso deve ser explicitado no projeto de lei, que seguirá para apreciação dos vereadores.

ESTATÍSTICA – Dados reunidos em uma pesquisa feita no Reino Unido apontam que ao menos 30% dos que foram infectados pelo novo coronavírus apresentaram sequelas após a doença. O índice intensifica com os pacientes que foram internados e passaram pela UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Neste caso, sete em cada dez pessoas apresentaram sequelas.

“De cada dez atendimentos, ao menos quatro pessoas são diagnosticadas com algum tipo de sequela, ora respiratória, ora motora ou em casos mais graves apresentaram algum AVC [Acidente Vascular Cerebral]”, afirmou Palermo sobre a demanda gerada em São Carlos.

Segundo o boletim diário da Vigilância Epidemiológica, São Carlos contabilizou desde o início da pandemia – em março de 2020 – 26.267 casos positivos da Covid-19. Se estabelecer a mesma regra usada pela pesquisa do Reino Unido, seriam 7.880 pacientes com possível demanda de atendimento pós-Covid-19.

Segundo Palermo, o foco do serviço será atender os pacientes que apresentaram quadros mais graves e ficaram internados em hospitais. “As pessoas que ficaram intubadas por muitos dias precisam voltar à atividade dentro de uma normalidade”.

No entanto, o secretário não estimou quantos profissionais serão necessários para montar o serviço fora das unidades hospitalares. Em 9 de junho, Palermo afirmou à reportagem do Primeira Página que a sua pasta estava levantando o gasto com Recursos Humanos para o atendimento. Porém, até o momento não apresentou esta estimativa à imprensa.

Palermo justifica a morosidade no plano de ação pelas amarras da legislação que rege as contratações pelo poder público. “Encontrar a isonomia da qualidade e do melhor preço é uma tarefa difícil. Contratar é difícil, mas, mais difícil ainda é romper o contrato de uma empresa ganhadora de uma licitação, caso ela não preste um bom atendimento”.

Segundo Palermo, a USE atende a 30 pacientes pelo convênio existente com a Prefeitura. A intenção é chegar a 150 atendimentos por mês.

HISTÓRICO – Em julho, o secretário afirmou que para atender e acolher essas pessoas, a Secretaria Municipal de Saúde previa a abertura de um Ambulatório Pós-Covid-19 que ocuparia a sede da Fundação Educacional São Carlos (FESC), local que abriga área esportiva e espaço para o tratamento fisioterápico e reabilitação motora e ainda salas para consultório clínico.

De acordo com Palermo, a estimativa era de atender 80 pacientes por mês diagnosticados com alguma sequela. Os sintomas se caracterizam muitas vezes com a dificuldade de respiração, de locomoção e de memória. Há casos mais graves com a formação de coágulos na corrente sanguínea, que pode levar ao entupimento de uma veia ou uma artéria e assim aumentar os riscos de AVC, se for no cérebro, ou ainda um infarto, se for em uma artéria do coração ou uma trombose se acontece nas pernas os nos braços.

 

Depoimento

Uma luta para reabilitar o corpo e a vida

A busca por uma reabilitação foi vivenciada pelo comerciante Cleiton da Cunha Pereira, 41 anos, que após 24 dias internado em hospital, em decorrência da Covid-19, sendo a metade deles em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), passou por três meses de reabilitação.

“Eu saí da UTI e fui para a enfermaria sem conseguir falar. Ao sair do hospital não consegui andar e meu braço esquerdo ficou paralisado. Eu agradeço a minha reabilitação a Deus e ao fisioterapeuta. Eu cheguei a pensar que nunca mais andaria”.

Cleiton contou que ao iniciar a fisioterapia em uma semana já estava andando com certa dificuldade, mas se locomovendo. Porém, o tratamento foi particular. Ele contou que só após dois meses, recebeu uma ligação da Secretaria da Saúde indicando um primeiro atendimento para reabilitação. “Eu acabei não me interessando porque já tinha retomado as minhas atividades e finalizado meu tratamento particular”.

Ele contou ainda que alguns exames não eram cobertos pela rede pública e muitos foram pagos por ele, que contou com ajuda da família e amigos que até fizeram uma rifa para ajudá-lo no tratamento.

A EXPERIÊNCIA – O fisioterapeuta Marco Antonio Auad, especialista em ortopedia e neurologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de São Paulo, afirmou que em São Carlos cerca de 50 clientes são pessoas que tiveram a Covid-19. Os pacientes têm idades variadas, mas a maioria está entre 30 e 50 anos.

“O processo de reabilitação pode durar de três a seis meses nos casos graves. Os mais brandos são mais fáceis na recuperação. Independentemente da condição física dos pacientes antes da infecção, quando as sequelas surgem, mesmo os que estão em bom condicionamento físico podem ter consequências graves na condição motora e respiratória”.

A sequela mais grave afeta diretamente a vida laboral dos pacientes que ficam um longo período afastados do trabalho. “No primeiro mês os pacientes ainda ficam acamados”.

O fisioterapeuta contou que os mais graves chegam sem qualquer movimento. “Mal mexia os dedos das mãos”. Com a fisioterapia inicia-se a reabilitação pulmonar para reaprender a respirar, a ativação muscular e motora. “As pessoas desaprendem de atos simples como levantar-se da cama, sentar e andar”.

Segundo Marco, muitos pacientes depois de um longo período intubado, estão destreinados e amedrontados, porque o organismo não reage como antes da infecção pelo vírus. Eles relataram falta de força para se manter em pé, não sentiam os pés e as pernas. “As minhas pernas estão pesando muito mais do que eu estava acostumado”, disse um paciente ao fisioterapeuta.

Marco ressalta que é importante que os profissionais estejam atentos à capacidade respiratória do paciente ao propor a reativação muscular. “Tem de haver uma harmonia entre a fisioterapia respiratória e motora, para não haver sobrecarga na atividade”.

Na experiência do fisioterapeuta, ele afirmou que as sequelas motoras são cem por cento reversíveis. A parte pulmonar é passível de reabilitação, contudo, há estudos nos quais algumas fibroses tornam-se permanentes do pulmão.

 

Olhar clínico

Quais são as sequelas mais comuns no pós-Covid-19?

As sequelas após a infecção pelo novo coronavírus são motivo de estudo em várias partes do mundo, sendo a Inglaterra pioneira na pesquisa. O médico neurologista Fábio Henrique Limonte, de São José do Rio Preto, estuda as consequências neurológicas causadas pela Covid-19.

Estudos indicam um crescimento de 25% nos casos de dor de cabeça pós-infecção. Relatos mostram que o paciente adquire este sintoma que pode perdurar por até duas semanas ou um período mais prolongado. Há ainda um índice maior que indica o agravamento da dor de cabeça em 60% dos pacientes que já tinham o sintoma, antes de desenvolver a doença.

“Neste sentido não foi a Covid-19 que desencadeou, mas piorou o sintoma. Por isso, o número significativo de relatos. A doença, além de causar novo padrão de dor, ainda tornam mais agudos os episódios de quem já sofria com o sintoma”, relatou.

O médico explicou que a falta de oxigênio no cérebro, causada pela dificuldade que o paciente tem de respirar, quando o pulmão é afetado, é o que leva à dor de cabeça. “O sintoma tem se manifestado inclusive em pacientes que não tiveram o quadro clínico agravado”.

Segundo Limonte, o estudo desenvolvido no Reino Unido com pacientes que morreram de Covid-19 descobriu que neurônios corticais no cérebro tinham a presença do vírus. “Isso denota que o novo coronavírus tem um espalhamento no tecido cerebral, esparramando toxinas inflamatórias na região do sistema nervoso central, o que pode levar ao quadro de dor de cabeça”.

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