Avaliado em US$ 1,3 bilhão, estúdio de games Wildlife é 10º ‘unicórnio’ do País
O Brasil já pode se gabar de ter
mais de dez startups avaliadas em pelo menos US$ 1 bilhão – os
chamados unicórnios. Na última quinta-feira, 5, a empresa de games
para smartphones Wildlife Studios se tornou a décima empresa a
pertencer a este seleto clube, que já tem empresas como Nubank,
iFood e QuintoAndar. Ao receber uma rodada de aporte de US$ 60
milhões liderada pelo fundo americano Benchmark Capital (investidor
de Uber, Twitter e Snapchat), a companhia dos irmãos Arthur e Victor
Lazarte, de 35 e 33 anos, respectivamente, será avaliada em US$ 1,3
bilhão no mercado.
A
empresa tem trajetória discreta até aqui: foi criada em 2011 com o
investimento inicial de US$ 100, na casa dos pais dos Lazarte na
capital paulista. “Eu trabalhava no (banco de investimentos) JP
Morgan em Londres e meu irmão na (consultoria) Boston Consulting
Group (BCG), mas não estávamos felizes. Voltamos para a casa dos
pais porque não tínhamos dinheiro para pagar aluguel ou escritório
na época”, conta Victor, formado em engenharia mecânica pela
USP. Já Arthur é engenheiro aeroespacial. “Na época, os
smartphones estavam começando a se popularizar e achamos que as
pessoas iriam querer jogar nesses computadores de bolso”, diz
Victor ao jornal O
Estado de S. Paulo.
Fundada
sob o nome de Top Free Games (TFG), a Wildlife se dedica a criar
games gratuitos para smartphones e recebe agora apenas sua primeira
rodada de investimentos. Os números da empresa chamam a atenção:
com cerca de 500 funcionários espalhados em seis escritórios e
quatro países (EUA, Brasil, Irlanda e Argentina), a empresa está
prestes a alcançar a marca de 2 bilhões de downloads, divididos
entre seus mais de 60 títulos já lançados. Ao todo, mais de 1
bilhão de usuários já baixaram algum game da companhia.
Seus
principais títulos são o jogo de tiro Sniper 3D, o esportivo Tennis
Clash e o “livro de colorir digital” Colorfy. Os três são
presença frequente no ranking de jogos mais baixados de iPhone e
Android. Para faturar, a Wildlife exibe anúncios e também usa as
chamadas “microtransações”. Trata-se da venda de itens
dentro dos games que auxiliam o desempenho do jogador ou melhoram o
visual de seus personagens. “É um modelo em que a maioria das
pessoas não paga nada, mas há um grupo de 10% que sustentam a
base”, explica Victor.
O
modelo fez a empresa “gerar caixa” desde o primeiro dia,
afirma o empreendedor. Além do Benchmark, participaram da rodada
cinco investidores individuais. Entre eles, Hugo Barra, brasileiro
que passou por Google e Xiaomi e hoje lidera parcerias na área de
realidade virtual e aumentada no Facebook.
Com
os recursos, a Wildlife deve aumentar seu time em 60% em 2020,
chegando a 800 pessoas. A maior parte do time da empresa está em São
Paulo, mas, no futuro, essa proporção deve se equilibrar pela
metade. “O Brasil é um lugar com muito talento em tecnologia,
mas pouca experiência, por isso buscamos pessoas fora”, diz
Victor. Para o empreendedor, as habilidades pessoais são os grandes
diferenciais de empresas do setor. “Todo mundo usa os mesmos
softwares e computadores.”
Segundo
André Pase, pesquisador em games da PUC-RS, a caça a profissionais
é global. “O Brasil tem bons profissionais e cursos. Quem tem
experiência, porém, recebe propostas em países de economia e
política estáveis. A briga não é só por salários, mas por
condição de vida.”
Outra
parte do aporte será usada para fechar parcerias com estúdios
menores, que poderão utilizar as ferramentas de distribuição da
Wildlife. “Um dos maiores desafios de fazer um jogo hoje é
distribuí-los. Nós temos um bom canal, que são os games
anteriores, mas empresas pequenas não têm essa vantagem”, diz
Victor. Não estão descartadas ainda aquisições de games de outras
companhias.
Nova fase.
Fãs da japonesa Nintendo, como Mario, os irmãos Lazarte se espelham
na companhia de Mario para o futuro. “Ainda não há uma empresa
icônica para os jogos de celular como foi a Nintendo para os
consoles. Podemos ocupar esse espaço”, ambiciona Victor.
Mas
a competição será dura: além dos milhares de jogos lançados
todos os anos nas lojas de apps de Apple e Google, a Wildlife terá
de enfrentar a concorrência das duas gigantes de tecnologia Ambas
passaram a oferecer bibliotecas de games para smartphones – o Apple
Arcade e o Google Stadia – por assinaturas a partir de R$ 10.
Na
visão de Pase, da PUC-RS, a Wildlife tem a seu favor um “catálogo
de jogos que serve como um bom cartão de visitas, com qualidade
visual e bom funcionamento das mecânicas de compra”. Para o
especialista, porém, esse mercado traz um desafio: criar atrativos
para manter o jogador engajado e, se possível, pagando pela
experiência. “Como o jogo tem a presunção de ser gratuito e
há forte competição, o usuário baixa uma vez e deleta assim que
precisa liberar espaço na memória do celular”, afirma. “A
competição entre o que você guarda no telefone e o que fica de
fácil acesso na tela é muito forte.”
Para
isso, a Wildlife investe não só em jogos criativos, mas também em
tecnologias como aprendizado de máquina e análise de dados, a fim
de entender o comportamento de seus usuários. É um trabalho pouco
glamouroso, silencioso, distante de holofotes. Ao jornal O
Estado de S. Paulo,
Victor diz que “não é importante que a gente seja conhecido,
mas sim que as pessoas gostem dos nossos jogos.”
Ele
lamenta, porém, estar um pouco distante do sonho que o levou a criar
o décimo unicórnio brasileiro. “Com o crescimento da empresa,
tenho ficado com as decisões de negócios e não consigo colocar a
mão na massa nos jogos, que é a parte mais legal do trabalho”,
diz. “Mas faz parte da vida, não é?”.