Belo Monte quer térmica para suprir baixa geração
Depois
de gastar R$ 40 bilhões para erguer a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, um
projeto que desde o início teve a sua viabilidade financeira questionada por
causa da forte oscilação do nível de água do Rio Xingu, a concessionária Norte
Energia, dona da hidrelétrica, quer agora autorização para construir usinas
térmicas – mais caras e poluentes – nos arredores da hidrelétrica, para
complementar sua geração de energia.
O Estado apurou que, nas últimas semanas, a
Norte Energia já fez, inclusive, uma consulta formal à Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), pedindo autorização para que mude seu estatuto social
e libere a concessionária para erguer as usinas térmicas e “investir
diretamente ou por meio da participação em outras sociedades, como subsidiária
integral”.
Hoje, a Norte Energia é uma Sociedade de
Propósito Específico (SPE), ou seja, uma empresa que tem como único objetivo
construir e explorar a hidrelétrica de Belo Monte, pelo prazo de 35 anos. Seus
sócios são a estatal Eletrobrás, que detém 49,98% da operação, os fundos de
pensão Petros, da Petrobrás, e Funcef, da Caixa (com 20%, no total), e as
empresas Neoenergia, Vale, Sinobras, Light, Cemig e JMalucelli. Juntas, elas
querem agora mudar sua própria natureza para investir em outros empreendimentos.
A justificativa central da concessionária é que
a sua barragem principal, estrutura que responde por mais de 98% da capacidade
de geração – são 11 mil megawatts, contra apenas 233 MW da barragem
complementar -, tem de ficar completamente desligada por um período de cerca de
cinco meses, todos os anos, por causa da baixa vazão do Rio Xingu. A seca no
Xingu se concentra nos meses de julho a novembro. Com pouca água correndo, as
máquinas são desligadas, sob o risco de entrarem em pane. Não é por acaso que,
apesar dos 11.233 MW de potência, Belo Monte entrega, efetivamente, uma média
de 4.571 MW por ano.
Entre agosto e novembro deste ano, por exemplo,
o volume total de água que passou pelo Xingu permitiu uma geração média de algo
entre 276 e 568 MW apenas, quando a capacidade mínima de cada uma das 18
turbinas da casa de força principal de Belo Monte é de 611 MW. Ou seja, nesse
período não foi possível ligar nenhuma máquina.
Mas nada disso é surpresa. Os números de Belo
Monte, baseados no modelo de engenharia em que foi construída, são conhecidos
há mais de uma década. A Norte Energia, que venceu o leilão da usina em 2010,
esperou nove anos para licenciar e concluir a construção da usina. Neste mês de
novembro, depois que acionou a última turbina da hidrelétrica, sempre defendida
como a geração mais limpa do País, foi a Aneel com o propósito de pedir
autorização para erguer usinas térmicas.
“Acho que isso confirma que o dano
socioambiental de Belo Monte é um crime”, diz Biviany Rojas, advogada do
Instituto Socioambiental (ISA), organização que acompanha o impacto do
empreendimento desde a sua concepção. “A instalação de termoelétricas
desmoraliza todo o discurso de escolha política por geração de energia
hidrelétrica na floresta amazônica. Se era para produzir energia termoelétrica,
não precisava barrar o Rio Xingu.”
A especialista lembra que todas as informações
sobre a geração de Belo Monte sempre foram conhecidas. “A sociedade é
duplamente afetada pelos impactos socioambientais de cada um desses
empreendimentos, desnecessariamente. Não foi falta de informação, nem erro de
cálculo.”
Linhas de transmissão – A Norte Energia sustenta que as duas linhas de
transmissão de Belo Monte que saem do Pará e seguem para a Região Sudeste – obras
que custaram mais de R$ 15 bilhões e que pertencem aos chineses da State Grid –
ficam subutilizadas boa parte dos meses por causa da “enorme variação
sazonal das vazões e da ausência de reservatório para a regularização”,
conforme justificativas enviadas à Aneel.
Questionada sobre o pedidz da Norte Energia, a
Aneel limitou-se a declarar que “se manifestará quando vier a tomar uma
decisão sobre o assunto”. O ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, afirmou
que se trata de algo inédito no setor. “Não conheço nenhum caso desse
tipo. Muito provavelmente, se esse caso avançar, terá de envolver o próprio
poder concedente, o Ministério de Minas e Energia”, comentou.
“Tecnicamente, pode até ser viável, mas há questões legais nesse caminho.”
“Por ser algo inédito, não há uma resposta
pronta. Tem de ser avaliado com cuidado. O mercado regulado de energia (no qual
as distribuidoras compram a geração) exige a realização de leilões”, diz o
também diretor da Aneel, Julião Coelho.
A reportagem questionou a Norte Energia sobre
seus projetos de geração térmica, onde seriam erguidos e por que a empresa só
apresentou essa proposta após concluir a usina. A concessionária não respondeu
a esses questionamentos. Disse apenas que “recorrentemente desenvolve
estudos de projetos para expansão do setor elétrico, como parte de seu
planejamento empresarial” e que a consulta à Aneel sobre a possível
alteração estatutária “é parte integrante desses estudos”.