Ilan Goldfajn: ‘O mais importante hoje é persistência nas reformas’
O
crescimento sustentável da economia depende da persistência do governo e da
sociedade no programa de reformas, segundo o ex-presidente do Banco Central
Ilan Goldfajn. “A ansiedade, que tem pipocado no mundo, pode nos levar ao
maior risco, que é não insistir no caminho que começa a dar resultados”,
diz. O economista, hoje presidente do conselho do Credit Suisse, afirma estar
otimista, pois vários obstáculos, como a taxa de juros elevada, já foram
retirados do caminho. “Conforme crescermos 2,5%, pode haver um estímulo
para as mudanças continuarem.”
Sobre a insatisfação no Chile – país que já
passou pelo processo de reformas que o Brasil atravessa agora -, Ilan destaca
que se trata de uma falta de perspectivas. “O Chile crescia 5% e vai
crescer 0%. Para eles, o mundo para frente é pior. No nosso caso, começamos a
oferecer um futuro melhor.” A seguir, trechos da entrevista.
Como o sr. avaliou a decisão do BC de pôr um
teto na taxa de juros do cheque especial?
O BC tem tido um esforço de monitorar os
produtos. Dois produtos são mais emergenciais: o cheque especial e o cartão de
crédito rotativo. Todos desejam um sistema mais competitivo, que deixe o
consumidor satisfeito. As medidas vão nesse sentido. No caso do cheque
especial, tem de ficar claro que é a exceção da exceção.
Era necessário intervir?
Os governos intervêm quando há alguma distorção.
É natural, não é muito diferente em outros lugares.
Essa alta do PIB que começa a se consolidar é
sustentável?
O motor (gastos do governo) que puxava a
economia se esgotou pela falta de financiamento e a sociedade precisou mudar
esse motor para o setor privado. A economia tem mecanismos naturais de
transferir a força de um motor para outro. Se a política fiscal fica menos
expansionista, não precisa que o juro seja tão elevado, e ele cai naturalmente.
Isso (juros baixos) é a primeira coisa a estimular a economia. Provavelmente,
no próximo ano, teremos um crescimento de 2,5%. É um crescimento mais
sustentável porque é baseado no setor privado. Um crescimento de 2,5% puxado
pelo setor privado equivale quase a 4% do que se tinha antes, quando o governo
contribuía positivamente.
Esses 2,5% são bons diante do que vivemos nos
últimos anos, mas, para um país com tanta carência, o número ainda é baixo.
Como aumentar a velocidade?
O que levou a aprovação da reforma da
Previdência foi a percepção de que ela era necessária para consolidar o fiscal,
para se ter taxa de juros menor e voltarmos a crescer. O País voltou a crescer,
mas ficou em 2,5% (anualizado). Talvez isso leve a uma discussão de que temos
de fazer mais, como reformas tributária e administrativa. Tenho a impressão de
que, conforme crescermos 2,5% e o desemprego cair, pode haver um estímulo para
as mudanças continuarem. Crescer mais vai depender da capacidade de tirar
obstáculos. Tenho uma visão positiva. A gente já galgou dívida externa,
hiperinflação, crises cambiais, juros altos. Se fizermos as reformas mais
rápido, talvez consigamos acelerar.
Havia uma expectativa de que, com a reforma
da Previdência, viria investimento estrangeiro, o que ajudaria no crescimento.
Isso ainda não se concretizou. Como reverter o quadro?
Outras economias do mundo estão desacelerando.
Se o Brasil mostrar que está recuperando o crescimento, numa agenda de
reformas, pode chamar atenção e o investimento, vir. De fato, a recuperação do
crescimento, que é modesta, veio sem dinheiro estrangeiro. Tudo foi realocação
de renda fixa para ativos reais e de política fiscal para política monetária.
Atrair investimento vai depender de a gente conseguir ter – o que acho a
palavra mais importante hoje – persistência. Se você persistir nas reformas,
vai chegar lá. Às vezes, a ansiedade, que tem pipocado no mundo, pode nos levar
ao maior risco, que é não insistir no caminho que começa a dar resultados.
Quando a gente fala em insistir nas reformas, parece que tem pouca coisa, mas é
uma agenda para muito tempo. Tanto é que elas entram em uma fila:
previdenciária, depois administrativa e tributária.
As revoltas nos países vizinhos e a saída do
ex-presidente Lula da prisão teriam levado o governo a não enviar a reforma
administrativa para o Congresso. O sr. vê riscos a essa persistência por causa
do cenário político?
Há mais conflitos no mundo. O investidor olha
para isso e fica mais receoso com o mundo todo, não só com o Brasil. Mas, se
conseguirmos mostrar que estamos em uma direção diferente, seremos capazes de
andar, mesmo que não na velocidade em que gostaríamos. Tenho a impressão, e aí
não sou um especialista político, de que, quando você mostra um futuro melhor
do que o presente, isso gera boa vontade.
A agenda de reformas copia o exemplo liberal
do Chile. Com os protestos, veio a discussão de quão eficiente elas foram para
melhorar a vida da população. O que fazer para garantir que o crescimento
alcance todos?
O Chile é o país com maior renda per capita da
América Latina e também o que mais reduziu a pobreza. Ele teve ganhos de
distribuição de renda. O que acontece é que se quer mais que isso. O Chile
crescia 5% e vai crescer 0%. Para eles, o mundo para frente é pior do que o
passado. No nosso caso, temos distribuição de renda e renda per capita piores,
mas tenho a impressão de que começamos a oferecer um futuro melhor do que o
passado.
Para o economista Paulo Leme, colunista do
‘Estado’, o Brasil precisa se blindar do risco de contágio da crise da América
Latina, acelerando crescimento e equilibrando velocidade das reformas com
alguma medida social. O governo deve fazer algo?
O que estamos falando aqui – oferecer um futuro melhor que o
presente – já é uma forma de se proteger. As coisas têm de caminhar juntas: uma
agenda de reformas que permita o crescimento e que tire distorções que são
vistas como injustas. Não são necessariamente coisas incompatíveis. Saneamento,
por exemplo: tem algo mais claro do que fazer uma lei que permita o
investimento e que vai dar saneamento básico à população?