Presidente do STJ livra Bolsonaro de revelar exame de coronavírus
O presidente do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, decidiu nesta
última sexta-feira (08) atender ao Palácio do Planalto e barrar a determinação
para que o presidente Jair Bolsonaro torne públicos os exames realizados para
verificar se foi infectado ou não pelo novo coronavírus. A Advocacia-Geral da
União (AGU) acionou o STJ para impedir que Bolsonaro fosse obrigado a divulgar
os laudos dos testes.
Ao longo dos últimos dias, a Justiça Federal de
São Paulo e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) garantiram
ao Estadão o direito de ter
acesso aos papéis por causa do interesse público em torno da saúde do
presidente da República. A decisão de Noronha, no entanto, derrubou o
entendimento da primeira e da segunda instâncias.
“Agente público ou não, a todo e qualquer
indivíduo garante-se a proteção a sua intimidade e privacidade, direitos civis
sem os quais não haveria estrutura mínima sobre a qual se fundar o Estado
Democrático de Direito”, escreveu Noronha em sua decisão
“Relativizar tais direitos titularizados
por detentores de cargos públicos no comando da administração pública em nome
de suposta tranquilidade da população é presumir que as funções de
administração são exercidas por figuras outras que não sujeitos de direitos
igualmente inseridos no conceito de população a que se alude, fragilizando
severamente o interesse público primário que se busca alcançar por meio do
exercício das funções de Estado, a despeito do grau hierárquico das atividades
desempenhadas pelo agente público”, concluiu o presidente do STJ
Para o advogado do Estadão Afranio Affonso Ferreira Neto, a decisão de
Noronha “afronta o devido processo legal, a lei orgânica da magistratura e
a Carta Magna”. “Vamos recorrer ao próprio STJ e ao STF, já”,
disse Ferreira Neto.
O Estadão pediu que Noronha se considerasse “impedido”
de analisar o recurso da AGU por ter antecipado em entrevista ao site
jurídico JOTA a sua posição sobre o tema. Na última
quinta-feira, o ministro afirmou que “não é republicano” exigir que
os documentos de Bolsonaro sejam tornados públicos.
“Essa decisão poderá chegar a mim com um
pedido de suspensão de segurança, então eu vou permitir para não responder. Mas
é o seguinte, eu não acho que eu, João Otávio, tenho que mostrar meu exame para
todo mundo, eu até fiz, deu negativo. Mas vem cá, o presidente tem que dizer o
que ele alimenta, se é (sangue) A+, B+, O-?”, disse Noronha na ocasião.
“Não é porque o cidadão se elege presidente
ou e ministro que não tem direito a um mínimo de privacidade. A gente não perde
a qualidade de ser humano por exercer um cargo de relevância na República.
Outra coisa, já perdeu até a atualidade, se olhar, não sei como está lá, o que
adianta saber se o presidente teve ou não coronavírus se foi lá atrás os
exames?”, afirmou o presidente do STJ.
Depois de questionar sucessivas vezes o Palácio
do Planalto e o próprio presidente sobre a divulgação do resultado do exame, o
Estadão entrou com ação na Justiça na qual aponta “cerceamento à população
do acesso à informação de interesse público”, que culmina na “censura
à plena liberdade de informação jornalística”. A Presidência da República
se recusou a fornecer os dados via Lei de Acesso à Informação, argumentando que
elas “dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das
pessoas, protegidas com restrição de acesso”.
Em parecer encaminhado na última quinta-feira
(7) ao TRF-3, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu o direito de o
Estadão ter acesso os “laudos de todos os exames” realizados por
Bolsonaro, já que a informação é de interesse público.
“Embora existam aspectos da vida da pessoa
que exerce o cargo de Presidente da República que podem ficar fora do
escrutínio da sociedade, tradicionalmente a condição médica dos Presidentes é
de interesse geral uma vez que pode impactar o exercício de suas relevantes
funções públicas”, escreveu a procuradora regional da República Geisa de
Assis Rodrigues.
Testes
Bolsonaro já disse que o resultado deu negativo, mas se recusa a divulgar
os papéis – em entrevista à Rádio Guaíba, na quinta-feira retrasada, o
presidente admitiu que “talvez” tenha sido contaminado pelo novo
coronavírus.
“Eu talvez já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, talvez, e nem
senti”, afirmou o presidente em entrevista à Rádio Guaíba, de Porto
Alegre. O presidente já realizou dois testes para saber se foi contaminado pela
doença – em 12 e 17 de março – e divulgou que os resultados foram negativos,
mas tem se recusado a apresentá-los.