Um ano após Brumadinho, alta cúpula da Vale tenta se defender de acusações
Foi
dentro de um jato particular da Vale, durante a viagem de volta ao
Brasil, depois de participar do Fórum Econômico de Davos, na Suíça,
que Fabio Schvartsman, então presidente da mineradora, recebeu a
notícia do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em
Brumadinho (MG). Um ano após a tragédia de 25 de janeiro, um dos
maiores acidentes ambientais do mundo, que deixou 259 pessoas mortas
– 11 ainda estão desaparecidas -, o executivo está imerso na
preparação de sua defesa.
O voo de Davos tinha São Paulo como
destino final. Ele passaria o fim de semana com a família. Ainda no
ar, recebeu um telefonema do diretor de sustentabilidade e relações
institucionais da Vale, Luiz Eduardo Osório. Na mesma hora, decidiu
pousar no Rio. A ligação mudou a rota de sua carreira.
Aos 65
anos, o ex-principal executivo da Vale tinha dito que coroaria sua
trajetória profissional à frente da mineradora. Agora, tenta se
livrar de potenciais processos de negligência que possam recair
sobre ele. A expectativa é de que o Ministério Público de Minas
Gerais apresente nos próximos dias as denúncias criminais contra a
Vale e seus principais gestores.
Considerado um dos maiores
executivos do País, após passagens pela empresa de papel Klabin e
pelo grupo Ultra, Schvartsman assumiu o comando da Vale em maio de
2017, sob o lema “Mariana nunca mais”. Em função da
tragédia de Brumadinho, está afastado do grupo desde março de 2019
a pedido do Ministério Público Federal e de Minas Gerais.
O
executivo não aceitou ser amparado pela área jurídica da
mineradora. Contratou uma equipe estrelada de advogados
criminalistas, entre eles a banca de Pierpaolo Bottini, que defendeu
o empresário Joesley Batista, um dos donos da Friboi.
A defesa
de Schvartsman também chamou o escritório Barbosa, Mussnich e
Aragão (BMA) para fazer uma investigação interna a pedido do
próprio executivo para vasculhar milhares de e-mails, trocas de
mensagens de celular e atas de reunião que o executivo participou
para mostrar que ele não teve responsabilidade direta no
acidente.
Com perfil discreto, mas posicionamento firme em
grandes negociações, Schvartsman está recolhido nos últimos
meses, mas não saiu totalmente de cena. Costuma ser visto nos
principais restaurantes da região da Faria Lima, principal corredor
do mercado financeiro do País. Neste mês, viajou com sua família
para os Estados Unidos.
Procurados, o executivo e a defesa não
quiseram conceder entrevista. A Vale informou que coloca à
disposição assessoria jurídica a seus empregados por se tratar de
uma investigação sobre fatos ocorridos durante o exercício de suas
atividades profissionais.
‘Seguro
reputação’
Para
se defenderem de potenciais acusações de negligência pela tragédia
ambiental de Brumadinho, executivos da Vale acionaram o seguro de
responsabilidade civil de diretores e Administradores (D&O),
conhecido no mercado como “seguro de reputação”. Comum
nos EUA, essa cobertura é concedida ao alto escalão de grandes
empresas que têm riscos ambientais ou que podem enfrentar processos
de corrupção.
No caso da Vale, esse seguro garante não só a
defesa jurídica, mas a proteção do patrimônio pessoal dos
principais executivos, de atos e decisões tomadas por eles em suas
funções em cerca de US$ 150 milhões. Antes do desastre de Mariana,
essa cobertura, feita pela seguradora Zurich, era de US$ 200
milhões.
Após a tragédia de Brumadinho, quatro executivos da
Vale foram afastados. Além de Fabio Schvartsman, saíram Peter
Poppinga, diretor da área de ferrosos e carvão do grupo, Lúcio
Flávio Gallon Cavalli, de planejamento, e Silmar Magalhães Silva,
de operações do corredor sudeste. Todos continuam recebendo
salários da Vale.
Responsável pelas operações da mineradora,
Peter Poppinga corre o risco de ser responsabilizado criminalmente
pelo acidente, dizem fontes.
Apesar do afastamento de Poppinga
ter sido anunciado como temporário, seu contrato com a Vale terminou
no ano passado. Fora do mercado, ele vive em compasso de espera de
uma eventual denúncia. Representado pelo escritório David
Rechulski, Poppinga tem adotado postura colaborativa com as
autoridades. Também entregou seus passaportes – brasileiro e alemão,
já que tem dupla nacionalidade – depois que o Ministério Público
Federal tentou pedir sua prisão alegando a possibilidade de fuga do
País
O executivo já enfrentava ação penal relativa ao
rompimento da barragem da Samarco, joint venture entre Vale e BHP, em
Mariana, em novembro de 2015, por ser conselheiro de administração
do grupo. Em setembro passado, contudo, o juiz do caso Samarco
rejeitou a denúncia do MPF contra os membros do conselho.
Uma
análise técnica sobre barragens preparada pelo especialista em
mineração, Juarez Saliba, que é executivo da Vale, e um relatório
de governança e risco e compliance da auditoria Delloite, que foram
pedidos por Fabio Schvartsman antes do acidente de Brumadinho, serão
usados pelas defesas dos executivos.
Procurados, Zurich,
Delloite e Rechulski não comentam.
Queda
na arrecadação
A
paralisação de operações de minas da Vale após Brumadinho gerou
perda de R$ 22,3 bilhões em receitas para a economia de Minas Gerais
no ano passado. A estimativa Federação das Indústrias do Estado de
Minas Gerais (Fiemg) leva em conta perdas na indústria extrativa e
em outros setores da economia. A retração do setor e a crise fiscal
no Estado levaram a entidade a projetar uma queda de 1,24% do PIB
mineiro em 2019, contra estimativa de crescimento de 3,3% antes do
desastre. Os impactos negativos devem continuar em 2020.
Ações
voltam a patamar de antes de Brumadinho
O
rompimento da barragem de Brumadinho arranhou a reputação da Vale,
impôs um freio às suas metas de produção, mas, diante das
proporções da tragédia, o estrago foi limitado do ponto de vista
operacional.
Após perder R$ 74 bilhões em valor de mercado no
pregão seguinte ao desastre, quando era avaliada em R$ 290 bilhões,
as ações da Vale já estão no mesmo patamar de antes do acidente.
Na sexta-feira, 17, os papéis fecharam a R$ 57, alta de 1,5% sobre
dia 24 de janeiro de 2019, um dia antes do rompimento da
barragem.
Com a redução da produção de minério da Vale, por
causa do desastre, a oferta global da commodity diminuiu. Com isso, o
preço do minério teve sustentação no patamar de US$ 100 a
tonelada, atingindo um pico, no ano passado, de US$ 120, ante uma
faixa de US$ 70 por tonelada antes do desastre.
Nos primeiros
nove meses de 2019, a receita operacional da Vale totalizou US$ 27,6
bilhões, alta de 3,2% sobre mesmo período do ano anterior. A
companhia registrou, contudo, prejuízo de US$ 121 milhões, ante um
ganho de US$ 3 bilhões em relação aos nove primeiros meses de
2018. A Vale reportou provisões e despesas de US$ 6,3 bilhões
relacionadas à ruptura da barragem de Brumadinho Broadcast, sistema
de notícias em tempo real do Grupo Estado.