Especialista critica flexibilização da quarentena e reabertura do comércio
Sanitarista e pesquisadora da saúde, professora sênior da UFSCar alerta para o perigo da retomada precoce das atividades econômicas num quadro de pandemia
Se por um lado os comerciantes varejistas estão comemorando
a retomada das atividades a ontem, segunda-feira, 1º de junho, há também quem
veja tal medida como “perigosa” e “temorosa” num momento como o atual, onde a
contaminação de pessoas pelo novo coronavírus em São Carlos e no Brasil em
geral, só aumenta.
A professora e sanitarista Maria Lúcia Teixeira Machado está neste segundo
grupo. Para ela, o relaxamento do isolamento social vem muito antes da hora
indicada por especialistas.
“Isso (o relaxamento no isolamento social) ocorre justamente dias depois no
aumento significativo no número de casos e mortes no país. E, nos últimos dias,
em plena fase ascendente da curva, nos surpreendemos com um cronograma de
flexibilização do isolamento social no Estado e na cidade, a partir de clara
pressão de setores econômicos, ‘esquecendo’ que não há economia depois da
morte”, alerta a professora.
Além de sanitarista pela FIOCRUZ, Maria Lúcia é mestra em Educação pela UFSCar,
doutora em Saúde Coletiva pela UNICAMP e atuou como professora universitária,
inicialmente na UFRJ e desde 1993 na UFSCar. Atualmente ela é associada
sênior. Ela realizou ampla pesquisa no
Doutorado sobre a História da Saúde em São Carlos, que depois foi transformada
no livro “A História da Saúde de São Carlo”, publicado pela Edufscar.
Maria Lúcia ressalta que em função da globalização, da atual facilidade de
deslocamentos nacionais e internacionais e de fatores políticos, ocorreu o
rápido crescimento da COVID-19 em todo o mundo, em pouquíssimos meses a partir
de desde dezembro de 2019. “Considerando que há um significativo fluxo de moradores
de São Carlos para diversas cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro,
Brasília e exterior, fez todo sentido terem sido tomadas medidas precoces para
a contenção do número de casos. Mas, em seguida, em todo o país (incluindo São
Carlos), gerou um enorme problema ter sido estimulado por autoridades nacionais
o relaxamento do isolamento social muito antes da hora indicada por
especialistas”, reclama ela.
Segundo ela, ainda temos que nos cuidar muito, visto que dos quase 6 milhões de
casos no mundo, o Brasil (dados de 29/05) já é o segundo país com o maior
número oficial de casos (468.338), atrás apenas dos EUA. “Essa semana fomos
considerados o epicentro da epidemia com o maior número diário de mortes no
mundo, chegando a quase 28 mil mortes registradas no país, sem contar a grande
subnotificação de casos e mortes, visto que é muito pequeno o número de testes
realizados, gerando um retrato ainda irreal da situação dramática que vivemos.
E temos perspectiva de agravamento com a interiorização da epidemia e o colapso
do sistema de saúde em algumas cidades/regiões, também decorrente do escasso e
crônico investimento público em saúde em termos de percentual do PIB, agravado
pelo prejuízo de mais de 20 bilhões de reais para o SUS nos últimos anos, após
a emenda do ‘teto de gastos’ (EC-95/2016) ”, comenta.
Por outro lado, ela destaca algumas medidas importantes foram tomadas pelo
poder público de São Carlos, como as tratativas para a ampliação do número de
leitos de enfermaria e UTI (Santa Casa e HU/UFSCar), criação de Comitês,
preparo inicial de hospital de campanha. “Mas, mesmo com a situação
razoavelmente sob controle é fundamental agora não haver descuido (justamente
quando o Brasil se encontra em crescimento acelerado da pandemia). Por isso,
preocupa bastante a flexibilização na abertura de setores do comércio ocorrer
quando o número de casos na cidade praticamente havia dobrado em 10 dias (de 17
até 27/05). Só medidas de isolamento social podem garantir em São Carlos o que
todos queremos, uma curva mais achatada do número de casos (em dados de ontem,
01/06, são 157 casos notificados, mas sabemos por estudos científicos que é
maior o número real), para que o sistema de saúde possa dar respostas
eficientes, principalmente evitando um aumento expressivo no número de óbitos”.
A sanitarista ressalta que a vida não pode ser relativizada. “Não podemos
aceitar negacionismo da ciência, nem argumentos econômicos que nos levem a mais
perdas humanas. Temos sim que defender e fortalecer o SUS, do qual a maior
parte da população depende; criar e cobrar estratégias que garantam o
isolamento social pelo tempo que for necessário, bem como, reforçarmos a
Campanha de regulação em fila única de leitos públicos e privados, promovida
por várias entidades da área, chamada Vidas iguais e leitos para todos”.