17 de Maio de 2024

Dólar

Euro

Cidades

Jornal Primeira Página > Notícias > Cidades > Restrição a menores é ‘higiene social’ diz pesquisador

Restrição a menores é ‘higiene social’ diz pesquisador

16/04/2017 09h26 - Atualizado há 7 anos Publicado por: Redação
Restrição a menores é ‘higiene social’ diz pesquisador

A medida tomada pelo Shopping Center Iguatemi de São Carlos, de restringir acesso de adolescentes aos sábados está dividindo opiniões. Desde 25 de março o centro de compras está proibindo a entrada de adolescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis aos sábados das 17h às 22h.  Para o professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar, Joelson Gonçalves de Carvalho, as justificativas da medida ocultam o objetivo de “higiene social”.

Carvalho enfatiza que a medida tomada pelo shopping prioriza o consumidor em detrimento do cidadão. Ele destaca que este tipo de decisão está sendo aplicada em vários shoppings do interior paulista. “A discussão da legalidade ou ilegalidade da medida esconde a verdadeira discussão. O shopping é um local privado, mas como fica o direito de ir e vir do cidadão? Há quem ache legal, mas mesmo assim, é imoral. O que os shoppings querem, na verdade, é impedir a presença de menores pobres e negros, oriundos da periferia. Estão promovendo um Apartheid social, uma espécie de higienização que nos deixa às margens da barbárie. Isso ocorrer numa cidade como São Carlos é uma vergonha”.  

Para as professora de Filosofia Niege Pavani afirma que estas medidas não são novas. “A intenção nitidamente é privar os menores de classes baixas a ter acesso a um espaço público de lazer e entretenimento. E isso se contrasta ainda com a ausência de espaços culturais e para lazer aos adolescentes pelo poder público. Teremos assim uma combinação perigosa: de espaços privados de lazer e entretenimento para as crianças e adolescentes ricos e ausência de opções públicas para os adolescentes de classes pobres, que ficam marginalizadas e relegadas às drogas. Esta é a receita da exclusão social que pode agravar ainda mais os problemas sociais de São Carlos”, ressalta.  

SEGURANÇA DE TODOS – A medida, segundo a assessoria de imprensa do centro de compras, foi tomada prezando a segurança e tranquilidade dos adolescentes, clientes, colaboradores e também dos lojistas.  Segundo o shopping, a restrição serve para adolescentes homens e mulheres, heterossexuais, homossexuais, brancos, negros, pardos e amarelos e de todas as classes sociais.  

MINISTÉRIO PÚBLICO – O Promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude de São Carlos, Mário José Corrêa de Paula, disse ao G1 que a gerência do shopping procurou o Ministério Público, mas que a decisão tomada pelo centro de compras foi independente.

“O shopping entrou com um pedido para que a Justiça determinasse a proibição da entrada dos menores. Acontece que essa medida não teve andamento, devido ao direito de ir e vir dos cidadãos”, afirmou. “O shopping é privado, então ele pode regulamentar a entrada nas dependências. A Justiça não irá disciplinar, nem regrar a entrada em uma entidade privada”.

A professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Estefânia Maria de Queiroz Barboza afirma que um shopping está resguardado de barrar todos os menores desacompanhados, e não apenas os que aparentarem ser da periferia. “Em 2008, o Shopping Palladium, de Curitiba (PR) estava impedindo a entrada de adolescentes com roupas de hip hop, sem medida judicial, presumindo apenas pela vestimenta que eles iriam tumultuar”, relembra ela, frisando que essa atuação era discriminatória e inconstitucional

QUESTÃO COMPLEXA – Para a advogada Tidemore Crema Pedro, a coibição a menores impostas pelos shoppings não é tão simples. “Haja vista, que se de um lado se tenta proteger um grupo de pessoas que vão ao Shopping para fazer uma refeição ou comprar algo, também, existe os interesses daquele empresário que ali investiu no seu comércio, mas, também, esbarra no direito de ir e vir de cada cidadão seja ele qual for”.

Tidemore destaca que o assunto é tão complexo que vamos esbarrando em vários “direitos”. “Senão vejamos, se menor não pode beber, fumar, frequentar local de jogos de azar ou alguns bailes, festas, porque estar num local onde não há nada disso que o leve a  não poder  frequentar, mas, esse direito de ir e vir só pode ser garantido, desde que, não venha acompanhado de badernas, porque, se isso ocorre ele não tem validade. Assim, como qualquer lei só poderá ter suas garantias validadas, desde que, não contrarie outras”.

“Mas, então, porque uns são contra e outros são a favor, melhor explicando, porque, existem Liminares Deferida e outras indeferidas? Nesse caso, como em muitos outros, tudo vai depender da Interpretação de cada juízo, seja, de Primeira ou Segunda Instância.

“Contudo, é bom frisar que na verdade o que se tenta assegurar é a Segurança do Coletivo que se sobrepõe o direito individual”, conclui ela.   

LOJISTAS – Os empresários relataram em entrevista ao G1 que o grande fluxo de jovens aos sábados e domingos atrapalhava as vendas. “As pessoas têm que pensar que o shopping é privado, e não público. É uma empresa que visa ao lucro. Esse ‘rolezinho’ virou bagunça, ficou fora do controle dos seguranças. Havia consumo de drogas e bebidas nas dependências do shopping, o que acabava se tornando uma responsabilidade para ele”, disse uma lojista que pediu para não ser identificada.

“Nunca vi adolescentes bebendo em frente à loja, mas tinha algumas crianças que passavam em frente falando ‘vamos ali no estacionamento que tem bebida’. E, sempre que passava pelo ponto de ônibus, por volta das 22h, tinha alguns bebendo”, relatou outro vendedor.  Um terceiro funcionário contou que o grande fluxo de adolescentes não se refletia em vendas.

Segundo fontes da direção do shopping, existem relatos de brigas e também de encontros de grupos para brigar no shopping ou nas suas imediações. Até mesmo cenas de sexo entre adolescentes teriam ocorrido na parte externa do shopping nas noites de sábado. 

 

Polêmicas já ocorreram em várias outras cidades

 

Esta situação não é nova e já ocorreu em outras cidades que têm shopping,  como São Paulo, Sorocaba, Ribeirão Preto e outras. Em 2015, o então ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão concedeu liminar em habeas corpus pedido pela Defensoria Pública de São Paulo para assegurar a entrada de crianças e adolescentes em shoppings centers da cidade de Ribeirão Preto.

Segundo o então ministro, não há nenhuma lei que prevê a necessidade de alvará ou portaria para autorizar a frequência de criança ou adolescente em shopping center. “Diminui-se o caráter interventivo do estado para respeitar a forma de criação escolhida pela família, dentro das limitações legais”, afirmou o ministro, lembrando ainda que shopping, em grande parte das cidades, é um dos poucos lugares seguros para o lazer de crianças e adolescentes, senão o único.

A Defensoria Pública de Ribeirão Preto (SP) entrou com um recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) pedindo a extinção da sentença que proibia a entrada de menores de 15 anos desacompanhados dos responsáveis legais, aos finais de semana, no Shopping Santa Úrsula e Ribeirão Shopping.  A decisão causou polêmica na cidade.

SOROCABA – Em Sorocaba a polêmica se deu em 2014. Para o professor e jurista José Cabral da Silva Dias, de Sorocaba, a proibição da entrada de menores de idade nos shopping centers, é inconstitucional. Ele acrescenta que os shoppings centers infringem o artigo 5º da Lei 7.716/89, da Constituição: “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador”, que prevê penas de um a três anos de reclusão para o autor. 

Em 2014, os shoppings centers Pátio Cianê e Cidade obtiveram liminares que visam impedir a realização dos chamados “rolezinhos”, praticados por jovens moradores da periferia de Sorocaba. 

De acordo com o professor José Cabral, a ação do Shopping Pátio Cianê, além de atentar contra o artigo 5º da Constituição, “fere o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), pois o adolescente pode transitar por qualquer espaço dentro do território nacional”. 

O mesmo destaca Alexandre Ogusuku, então presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “O cidadão tem o direito de circular em espaços públicos, como o shopping center.” Isso porque, apesar de ser uma instituição privada, acrescenta o jurista José Cabral, “o shopping center tem caráter público”. O ex-titular da promotoria da Infância e da Juventude, Antônio Farto Neto, também diz que “não há como restringir o acesso destes jovens aos shoppings centers, principalmente, durante o dia”. 

Limites – A entrada de jovens neste tipo de estabelecimento não pode ser evitada, no entanto, os “rolezinhos” têm seus limites. “Os limites da liberdade garantida pela Constituição estão na própria Constituição”, diz o professor José Cabral da Silva Dias. “Essa liberdade não significa que essas pessoas possam causas tumultos, brigas e os direitos dos demais, porque isso também infringe a Constituição”. 

Ogusuku, pondera que é preciso atender aos interesses comerciais dos shoppings centers. “Os “rolezinhos”, devido à grande movimentação, atrapalham os negócios”, conta. 

Recomendamos para você

Comentários

Assinar
Notificar de
guest
0 Comentários
Comentários em linha
Exibir todos os comentários
0
Queremos sua opinião! Deixe um comentário.x