‘Brasil não aguenta mais voo de galinha’, diz José Roberto Bendonça de Barros
Com a guerra comercial entre
China e Estados Unidos e o restante da América Latina em convulsão, a retomada
do crescimento do País este ano vai depender ainda mais da recuperação do
mercado interno, avalia o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB
Associados.
É justamente por isso, segundo o ex-secretário
de Política Econômica do Ministério da Fazenda, que os resultados positivos da
construção civil e do consumo das famílias no terceiro trimestre podem ajudar a
traçar um cenário de recuperação sustentável da economia, caso sejam mantidas
as agendas de reformas. Segundo ele, o País não suporta “um novo voo de
galinha”.
Para o economista, o PIB do Brasil vai crescer
1% neste ano.
A seguir, trechos da entrevista do economista ao
jornal O Estado de S. Paulo.
Como avaliar o resultado de 0,6% no PIB do
terceiro trimestre? O País entrou em uma rota de crescimento?
Esse resultado é um sinal de que a
economia melhorou um pouco, e o detalhamento dos números mostra tendências
bastante positivas. Quando olhamos por setor, é visível como a agropecuária
continuou indo bem – e até ajudou na revisão do PIB do ano passado. Isso não é
uma surpresa, é um segmento que vem tendo desempenho positivo, embora alguns
preços do mercado internacional tenham caído.
Por onde a recuperação está se dando até
agora?
Do lado da oferta, é bastante
positivo que a construção tenha crescido 1,3%. Há uma melhora mais robusta. E
tem uma coisa interessante: quando se olha para a produção e distribuição de
cimento, que é um material que vai para toda a cadeia, fica claro que a
retomada está se dando pelo segmento residencial. Em São Paulo, por exemplo, é
visível a retomada dos lançamentos de empreendimentos imobiliários. Outro ponto
positivo que se teve por causa da construção foi o aumento da formação bruta de
capital fixo, dos investimentos. Não há retomada sem investimento.
A construção pesada ainda não está reagindo.
Quando ela deve começar a melhorar?
A construção pesada avançou muito
timidamente, há poucas obras públicas em andamento até agora e foram poucas
concessões este ano, basicamente as que sobraram do governo anterior. Acredito
que, no ano que vem, a gente possa esperar uma reação mais significativa da
construção pesada. Deve ter um conjunto mais robusto com a finalização do novo
marco do saneamento no Congresso, por exemplo. O saneamento, com as estradas e
as ferrovias, são segmentos em que a necessidade de investimento é maior – e
onde os resultados são melhores também.
E a indústria ainda sofre para se recuperar,
certo?
O desempenho da indústria de
transformação ainda é decepcionante, esse é o patinho feio do crescimento
econômico e é uma parte da economia que não consegue andar. O problema da
indústria é complicado, que desafia a volta do crescimento. E tem a crise na
Argentina que atrapalha. Mas tirando a indústria, o crescimento é interessante.
O consumo das famílias foi fundamental para
puxar o resultado do PIB?
Se tem uma coisa que não dá para ter
dúvida, com a guerra comercial entre China e EUA e os problemas das economias
latino-americanas, é que o crescimento do Brasil vai depender quase
exclusivamente do mercado interno. É preciso aumentar consumo e investimento.
Uma parte disso se dá pelo maior número de pessoas trabalhando, ainda que na
informalidade, e os salários dos novos contratados, em 12 meses, teve um ganho
acima da inflação. Mas, no caso do consumo, o fator crédito tem sido o mais
relevante para os resultados que o PIB mostrou. O crédito para pessoa física
está crescendo a dois dígitos, de forma robusta. Embora os juros reais tenham
caído pouco, o volume de concessão de crédito tem ajudado bastante. Olhando
para a frente, esse crescimento do consumo é sustentável.
A recuperação da economia é sustentável?
Mais do que crescer, é sempre
importante se perguntar se esse crescimento é sustentável, porque o País já
está farto de voos de galinha. Acredito que seja, se a agenda de reformas
continuar. Mas também é preciso compreender qual será a velocidade de
aceleração dessa retomada. Um aumento dos investimentos faria toda a diferença
e o maior aumento seria sobre a construção civil, que é um setor que emprega
muita gente Em qualquer lugar do mundo, a construção é um setor definitivo para
a volta do crescimento.
Quanto o País deve crescer este ano?
Para este ano, estamos estimando um crescimento
de até 1%. É positivo, mas nunca saímos de uma recessão tão lentamente quanto
agora, por isso a angústia. O resumo é que houve, sim, uma melhora no
crescimento e o Brasil tem condição de continuar andando nessa direção.
As crises políticas têm impedido essa
recuperação mais acelerada da economia?
Não atrapalham, se olharmos para a
aprovação da reforma da Previdência – muito por mérito do próprio Congresso – e
para outras pautas legislativas que estão avançando, como a revisão do marco
das telecomunicações. O que complicou nesses últimos 40 dias foi a volta do
discurso mais radicalizado. Há uma certa paralisia e um processo político mais
tumultuado do que antes. Algumas medidas econômicas importantes precisam ser
definidas agora, no fim do ano, ou vão ficar para 2021. Essas medidas de
contenção do gasto público vão ser chave para dar certeza de que a questão
fiscal não vai travar o crescimento.