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15 de janeiro – Dia do Compositor

14/01/2015 10h40 - Atualizado há 9 anos Publicado por: Redação
15 de janeiro – Dia do Compositor

O Dia do Compositor introduzido no calendário nacional é apenas portador de uma realidade cada vez mais aguda, a de que o Brasil, ao mesmo tempo em que nutre o sonho de inventar uma economia criativa, não dá a menor bola aos seus grandes criadores.

O Brasil tem uma trajetória de criação musical invejável no mundo. Em todos os campos e estilos extraídos de nossa identidade essa composição é consagrada porque sempre soube acentuar o sentimento coletivo, a sensibilidade dos compositores e a própria humanização da arte. Por isso tanta empatia do povo brasileiro com sua música.

Na verdade a composição musical é a matéria-prima mais rica deste país no que se convenciona chamar de criação brasileira. A divulgação dessa criação sempre foi difícil e até periférica, mas de uma forma ou de outra é consagrada pelo povo brasileiro. Porém, o modelo que vem sendo construído no Brasil praticamente mudou os valores da produção dos indivíduos, suas ideias, suas realidades e autonomia para seguir um padrão estatutário imposto pela doutrina neoliberal.

Hoje as instituições culturais excessivamente burocratizadas exercem uma regulação em diferentes escalas, o que, de um lado, unifica as técnicas, ao passo que subordina o pensamento a santificar os vetores fundamentais do mercado de modo que uma gestão com ideologia corporativa impõe soluções únicas reduzindo a importância da criação e se distanciando ainda mais da responsabilidade de se fomentar o enriquecimento de nosso acervo através dos nossos compositores.

Tudo agora parece ter tomado feição negocista, sobretudo com o pensamento neocolonial. É que, em busca do “mercado novo” o Brasil volta a cruzar seus limites fronteiriços para buscar a bíblia sagrada dos velhos quixotes.

Então percebe-se uma aptidão para fazer de tudo um sistema e, assim, criar uma suprema justificativa para aumentar o palavreado técnico de grande dispêndio que prega a ideologia hegemônica. Tudo isso vem verticalizando nossos horizontes, o que acaba por reconstruir um arcabouço político aonde as instituições, principalmente as que mantêm combinações com o sistema financeiro, usam a cultura a serviço da imagem.

A partir do momento em que essa regra é estabelecida, a criação perdeu o sentido. E se o Estado segue cada vez mais com sua forma de gestão, o mesmo espírito empobrecido para interpretar a cultura da sociedade brasileira, o compositor não tem espaço nesse mundo contemporâneo. Por isso uma realidade tão díspare entre o discurso da valorização da criatividade e a realidade vivida pela maioria dos criadores.

Mas o que se espera de um debate cultural alienígena que só produz pensamento artificial? Em vinte anos de neoliberalismo cultural evitamos observar a criação, a composição ou simplesmente a música nacional brasileira.

Nunca a composição foi tão vista como um fenômeno isolado justamente porque herdamos um pensamento portador e transmissor de uma cultura de mercado que no máximo enxerga a música como produto e que no máximo pode ou não atender a uma característica específica para enriquecer a imagem institucional de uma corporação.

Em vez de linha melódica, o debate cultural hoje fala em sistema de financiamento. Ao invés de discutir nossas células rítmicas, falamos em empreendedorismo, negócio e economia da cultura. Tudo pintado como nos mesmos tons dos brasões reluzentes de um neocolonialismo monárquico aonde as peças, a serviço das instituições financeiras internacionais, orientam as “grandes reformas” para servir melhor ao dinheiro, e pior ao país.

Não falamos mais do compositor porque perdemos a vocação para discutir a nossa própria arte. Essa composição que sempre gerou uma unidade nacional, mesmo com as nossas fraturas sociais e territoriais, vive uma nova etapa em que a natureza de nossa criação fica cada vez mais incompreendida nas “escolas estéticas” herdeiras do neoliberalismo cultural.

A velha noção que tínhamos de uma criação ecumênica vem perdendo esta definição para que, fragmentada e compartimentada, a nova dimensão supervalorize as técnicas e reduza os conflitos hierárquicos entre a cultura de solidariedade e a presença de grupos econômicos que estão hoje redistribuidos nas esferas políticas e administrativas do poder responsabilizado em discutir a cultura nacional.

Por isso, instiucionalmente, perdemos o que Camargo Guarnieri classificou como o “espírito do tempo” em que uma arte estava ligada à outra. Por outro lado ganhamos um laboratório mecânico que antes de mais nada celebra a desumanização da arte para negarmos a necessidade de uma criação baseada no sonho, na utopia e na esperança.

Talvez sejam estas algumas das razões subjetivas que justifiquem, por puro determinismo, porque o Brasil, negando a sua própria história, não teve uma comemoração oficial no dia 15 de janeiro, o Dia do Compositor.

“O mercantilismo atinge também as artes, e quando a música se subordina à ambição deixa de desempenhar a sua função – O petróleo e a eletricidade são úteis para movimentar as máquinas; a música movimenta as almas”. (Heitor Villa Lobos).

Carlos Henrique Machado Freitas

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