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A vida do campo

22/04/2017 14h08 - Atualizado há 7 anos Publicado por: Redação
A vida do campo

Lá ao longe via um homem que com pele queimada de sol se aproximava. Ao chegar perto via suas mãos sujas e calejadas da lida do campo. Num gesto quase sem pensar se sentou na mureta da varanda, batendo as mãos na calça já surrada pelo tempo, agarrou no copo de água que lhe servira.  

Deu o primeiro gole, olhou o horizonte, exclamou: “sabe? Aprendi muito no campo.” Após uma pausa, um respiro, voltou a me olhar, como quem tinha desejo de ensinar, já eu, ansioso por aprender. Dou valor às palavras, de maneira especial àquelas que ninguém escuta. Todos esperam o extraordinário, aprendi a admirar o ordinário. Dele todos se esquecem. O normal é um mal que apenas sábios e loucos conseguem vencer. 

Já de olhos fixos nos seus , bebi do que dissera. Acabou sua água e eu permanecia com sede. Quando voltou para a lida, levou consigo a mim. Fui mesmo para olhar, vez ou outra escuta-se melhor no silêncio. Quando se contempla não são os olhos que falam, mas sim as coisas que se revelam. 

Via, na roça, que com sua mão tirara plantação por plantação. Disse ter sido necessário tirar até a raiz, afinal, chegara o tempo de plantar outra espécie. Notei, questionei: “- e agora? O que fará?” “- Prepararei a terra e a deixarei descansar”, respondeu cavando de mão na enxada. 

Bem se via que não estava sendo fácil arrancar o que plantara, não pela dureza do trabalho, mas pelo relacionamento estabelecido. Foram meses cuidando, regando, cultivando, a alegria da colheita parecia terminar na poda. Perguntei: “- não é ruim destruir o que plantou?” ao passo que recebi a resposta: “tudo que minhas mãos plantam, o tempo, de uma forma ou outra, consome….tudo é passageiro, filho!” 

Emudeci. E ele continuou: “a vida é como o campo. Neste grande ciclo planta-se, cuida-se, colhe-se, mas…é chegado um momento em que não se pode temer arrancar, às vezes, com as próprias mãos até a raiz do que se plantou. Somente isso nos permitirá um novo plantio.” 

No horizonte não vi mais o campo, vi a vida. Vi as vezes que já plantei, mas teimei desfazer a plantação com medo de que novo plantio não pudesse existir. Bem que dissera ter aprendido muito no campo. Afinal, em ambos se exige cuidado, plantio e poda. 

 

Padre Robson Caramano, 

Paróquia São Nicolau de Flüe, 

[email protected]

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