Governo federal libera apenas 35% da verba para construir e reformar prisões
O
governo federal aplicou no ano passado apenas 35% do dinheiro do Fundo
Penitenciário Nacional (Funpen), usado para reformas e construções no sistema
carcerário do País. Em 2019, duas grandes rebeliões em presídios do Pará e do
Amazonas deixaram 112 detentos mortos.
Havia em caixa R$ 912,5 milhões para aplicar no
ano, mas até 31 de dezembro só R$ 322 milhões foram executados, segundo dados
dos sistemas do governo extraídos pela ONG Contas Abertas e obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo. A União diz que
os governos estaduais precisam cumprir critérios para ter a verba.
Historicamente, os Estados têm problemas para
apresentar, conseguir a aprovação e gerir projetos para o sistema carcerário
que cumpram todos os requisitos do Funpen. Especialistas, porém, defendem maior
apoio técnico da União já na elaboração desses projetos.
Essa taxa de gasto coloca o primeiro ano da
gestão Jair Bolsonaro – com Sérgio Moro na pasta da Justiça e Segurança – como
o pior desde 2016. Do total, 71% foram empenhados – 1.ª fase do rito de gastos,
que sinaliza o reconhecimento do compromisso financeiro -, mas só metade chegou
aos cofres estaduais. Além da reforma, ampliação e construção de presídios, o
Funpen é usado na compra de equipamentos e em medidas para formação
profissional e a assistência jurídica de detentos.
Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU)
publicada em 2019 apontou a inexistência de estudos de viabilidade das prisões,
a falta de capacidade operacional dos Estados para dar andamento às obras e a
escassez de técnicos para lidar com os recursos como motivos para a baixa
execução de obras.
Há casos, diz o TCU, de repasses da União sem
prévia comprovação da viabilidade dos projetos propostos pelos Estados (essa
análise é feita após o repasse, o que cria atraso na execução da verba), além
de quadros técnicos e controles insuficientes pela União, que levaram ao número
alto de projetos de Estados pendentes de aval federal.
Em nota, o Departamento Penitenciário Nacional
(Depen), do Ministério da Justiça, afirmou que o valor investido no ano passado
deve ser ampliado em 2020 porque recursos só empenhados devem ser efetivamente
liberados. Segundo o Depen, é preciso cumprir critérios para os repasses.
Estados e Distrito Federal precisam se submeter à aprovação de relatório anual
de gestão, com dados sobre o total de presos, com classificação por sexo,
etnia, idade, escolaridade, regime da prisão, entre outros. Governos locais também
devem ter, disse o Depen, conselhos para controlar e fiscalizar o uso do
dinheiro, além de cumprir outros requisitos.
“Historicamente, a execução orçamentária do
Funpen é pífia”, diz Gil Castello Branco, da Contas Abertas. De 2001 a
2019, em valores atualizados pela inflação, do montante de R$ 16,5 bilhões
autorizados nos orçamentos, menos da metade (R$ 8 bilhões) foi efetivamente
paga. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal determinou a liberação de todo o
saldo do fundo e vetou novos bloqueios.
O documento do TCU destaca que a crise nas
prisões foi criada pela “preponderância da política de encarceramento e da
pouca expressividade dos investimentos no setor nas últimas décadas”. A
superlotação, diz o relatório, criou cenário propício para a atuação de facções.
Isabel Figueiredo, do Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, diz que muitos Estados têm dificuldade para cumprir as
exigências do fundo porque o Depen não oferece funcionários suficientes para
analisar projetos e liberar a verba. “Está na hora de aprimorar a
transferência. Não precisa que cada ação dependa de um projetinho. Tem de ser
transferência, como no Sistema Único de Saúde (SUS).” Ela critica ainda a
priorização da construção de prisões, em detrimento de ações educativas e de
ressocialização.