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Explorando a natureza quântica fora do equilíbrio

Entrevistado/Autor: Mestrando Leandro Alvares Machado

30/04/2023 06h13 - Atualizado há 1 ano Publicado por: Redação
Explorando a natureza quântica fora do equilíbrio

Por equilíbrio de um sistema físico, entendemos a situação na qual o sistema atinge estabilidade e, que pequenos desvios a partir desta condição, faz com que o sistema queira retornar à situação de equilíbrio de tal forma que a energia seja minimizada. Caracterizar um sistema em equilíbrio, ter a capacidade de determinar suas propriedades, é imprescindível para buscar entender a natureza. Atualmente, somos bastante capazes de descrever a maioria desses sistemas baseados nas bem consolidadas leis naturais que foram desenvolvidas desde a antiguidade. Contudo, temos o conhecimento de que inúmeros sistemas na natureza passam por diversos processos dinâmicos, isto é, estão em constante mudança, acarretando em diversos outros processos subsequentes necessários para a existência do universo como um todo da forma que enxergamos hoje, considerando desde as escalas subatômicas até as escalas astronômicas. A busca da compreensão desses sistemas fora do equilíbrio é de grande importância pois, de fato, os sistemas naturais majoritariamente não estão em equilíbrio. Alguns fundamentais exemplos desses sistemas são o cérebro humano, a atmosfera terrestre, a circulação sanguínea e até mesmo as células vivas que são sistemas complexos em constante mudança. Além disso, os fenômenos fora do equilíbrio apresentam uma riqueza de comportamentos dinâmicos complexos e muitas vezes surpreendentes, que podem abrir portas para novas aplicações e desenvolvimentos tecnológicos.

Apesar de chegarmos a conclusão de que a compreensão de fenômenos fora do equilíbrio é de extrema importância, isso trata-se de um desafio formidável, pois sistemas como esses apresentam uma complexidade muito maior do que os em equilíbrio. Isso occore porque sistemas fora do equilíbrio são geralmente compostos por diversas partes interagindo dinamicamente, o que pode levar a comportamentos não lineares e imprevisíveis. Todavia, tais sistemas apresentam propriedades físicas fantásticas, como a formação de padrões, instabilidades, caos, o aparecimento de leis de conservação e comportamentos universais. Devido a dificuldade em definir e medir variáveis e grandezas físicas nesses sistemas perturbados, sua descrição se torna complexa, dificultando assim sua análise e modelagem.

Um exemplo que caracteriza esse tipo de sistema é o fenômeno de turbulência, o qual é fundamental para a existência da vida. A equação que governa o fluxo de um fluído viscoso é a chamada equação de Navier-Stokes e, sua solução geral, é considerada um dos problemas do milênio, ilustrando que a turbulência é um desafio da física e também da matemática atualmente. Contudo, com o surgimento e desenvolvimento da mecânica quântica, foi possível prever e realizar experimentalmente os chamados fluídos quânticos, como é o caso do Hélio super fluído e a condensação de Bose-Einstein.  Imagine um fluido que se comporta de uma maneira completamente diferente de tudo o que você já viu. Um fluido que não segue as leis clássicas da física, mas sim as leis quânticas. Esse é o chamado fluido quântico, na qual uma de suas diversas propriedades, em contraste ao fluído usual, é a ausência de viscosidade, isto é, flui sem enfrentar nenhuma resistência. Quando consideramos a mecânica quântica, de alguma forma, a dinâmica do sistema é mais restrita, e por isso, gerar desordem nesses sistemas pode ser uma maneira de tirarmos informações para o entendimento de sistemas fora do equilíbrio e, quem sabe, da própria turbulência em fluídos clássicos.

Sendo assim, através de modelos teóricos, simulações computacionais e experimentos reais sendo realizados em laboratório, buscamos entender como seria a dinâmica desses sistemas quando introduzimos perturbações em diferentes escalas de energia. Meu projeto de pesquisa, orientado pelo Professor Dr. Vanderlei Salvador Bagnato, é focado no estudo do comportamento da turbulência quântica em fluidos quânticos fora do equilíbrio, particularmente os chamados condensados de Bose-Einstein (BECs). Os BECs são gases de átomos resfriados a temperaturas extremamente baixas (10-7 K), muito próximas ao zero absoluto, e nesse regime, devido as caracteristicas quânticas das partículas que compõem o gas, ocorre o fenômeno de condensação de Bose-Einstein, trazendo as propriedades intrinsicamente quânticas dessa amostra a escala que podemos observar, comprovando que de fato estamos falando de ondas de matéria, como prevista pelo físico De Broglie em meados do século passado no início do desenvolvimento da mecânica quântica. Ao excitar BECs com campos magnéticos oscilantes e outras perturbações, podemos induzir a turbulência quântica e observar seus efeitos no sistema. Nesses sistemas, a turbulência é atingida por diferentes mecanismos em relação ao fluído clássico, como por exemplo através da nucleação e decaimento de vórtices quânticos. Um vórtice é uma região de um fluido – como ar ou água – onde o fluxo do fluido gira em torno de um eixo central, criando um vazio de densidade. Você pode pensar em um vórtice como um redemoinho em um rio ou como o movimento de água girando em uma pia quando a água está escoando. Diferentemente dos fluídos clássicos, nos fluídos quânticos, esses vórtices possuem tamanhos bem definidos e são distribuídos ao longo do fluído também de uma maneira bem definida pelas leis da mecânica quântica. Quando esses vórtices se entrelaçam diversas vezes, são capazes de gerar desordem levando ao caos, tornando assim impossível prever a evolução do sistema. Outro fato extremamente interessante é que a energia imposta ao sistema externamente se dissipa de maneira diferente. Enquanto em um fluído clássico há dissipação de energia por meio do aquecimento devido a viscosidade, no fluído quântico a energia é dissipada em forma de ondas de som. Para análise desses sistemas, além de termos que lidar com um novo arsenal de equações, resgatamos conceitos da turbulência clássica para evidenciarmos o estabelecimento da turbulência quântica.

Como vimos, a turbulência quântica pode nos fornecer uma nova compreensão do universo ao nosso redor e essa pesquisa tem o potencial de possibilitar passos rumo ao esclarecimento de muitas questões fundamentais na física, como a natureza da coerência quântica, o surgimento do caos em sistemas quânticos, os supercondutores em altas temperaturas, entre diversos outros. Esses fluidos, presentes desde estrelas de nêutrons à laboratórios de física,  podem até mesmo ser chave para o entendimento da matéria escura, bem como uma maneira de modelar a expansão do universo.

Fontes: Leandro Alvares Machado, bacharel em física pelo instituto de física de São Carlos e mestrando no Instituto de Física de São Carlos (IFSC)-USP sob orientação do professor Dr. Vanderlei Salvador Bagnato ; Prof. Dr. Vanderlei Salvador Bagnato – Coordenador do CEPOF – INCT – IFSC – USP; Kleber Jorge Savio Chicrala – Difusão Científica e Jornalismo Científico do CEPOF – INCT – IFSC – USP .

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